sexta-feira, 6 de março de 2015

Amor platônico

É aquele ônibus? Lá vem ele. Droga tá chovendo! Mas pode continuar, precisamos de chuva. Não precisa empurrar. Este ônibus vai para o bairro Sinhá Sabóia? Não?! Beleza então. Merda! Detesto esperar. Pelo menos aqui embaixo não pego chuva. Lá vem o outro ônibus. Acho que é o que tenho que pegar. Quanto é a passagem? 1,70? Lembro que a ultima vez era 1,50. Onde sento? Ali! Na janela da cadeira mais alta. Vou colocar minha pasta aqui para ninguém sentar ao meu lado, afinal, o ônibus tá vazio e há tantas outras possibilidades de assentos. É interessante o modo como a água jorra quando a roda passa sobre uma poça, mas não é interessante o modo como a água jorra quando a roda passa sobre uma poça e há uma pessoa próxima. Coitada da senhora. Essa parada costuma entrar muita gente, vou tirar minha pasta, não sou egoísta. Mas espero que ninguém sente ao meu lado. Fazendo um calculo rápido, tem mais bancos que pessoas. É, acho que ninguém sentará do meu lado. Poxa, por que ninguém senta do meu lado? Ela ali que ainda está na catraca poderia sentar do meu lado, mas há uma vaga ali no meio. Opa, ela passou da vaga. Ela vai sentar aqui comigo. O que ela olha na bolsa que não senta logo? Fechou a bolsa, sentou. Ufa. Respira ela em tom de desconformidade colocando o guarda chuva em sua frente. Ela se molhou também. O que faço? É... Vou tentar demonstrar que não tô apaixonado por ela. Por que diabos eu me apaixono tão rápido? Vou esperar ela virar para olhar para ela. É, ela é bonita. Opa, opa, sinal alerta, está mexendo no cabelo. Encostou de leve seu cotovelo em minha barriga enquanto abria a bolsa para pegar... Pegar o que que tanto mexe? Ah, um livro. Qual será o título. Nesse meu ângulo de visão lateral não se dá pra ver muita coisa. Também não quero parecer muito insolente. Tirou a caneta que marcava o livro. Sinal alerta de novo, mexeu no cabelo. Encostou de novo o cotovelo em minha barriga. Certo, agora é o celular. Fones? Droga, agora ela ficará incomunicável caso eu crie coragem para puxar assunto. O que será que ela tá ouvindo? Já sei! Vou colocar meu corpo contra o dela levemente quando o ônibus virar aquela rua, afinal de contas, a inércia foi feita justamente para isso, unir casais em curvas de coletivos. Deu certo. Será se ela percebeu? Acho que não. Deveria ser mais agressivo, mas tô sem cueca e isso pode ser arriscado demais - se é que alguém me entende. Qual será sua parada? Já sei, vou perguntar as horas. Oi, que horas são? Me mostrou as horas no celular e não tirou os fones, significa que não tá afim. Obrigado! Disponha. Espera, aquilo foi um sorriso? Que voz bonita. Preciso escrever o que eu tô pensando. Preciso dizer que tô apaixonado. Assim mesmo, com muito ponto final e sem muitos detalhes. Só meus pensamentos e frases ditas. Curtas. Vou escrever quando chegar em casa. Me apaixonei por uma linda menina que sentou ao meu lado no ônibus. Mas preciso saber seu nome, de onde ela é. Mexeu no cabelo de novo. O fone não estão mais em seus ouvidos. Certo muchacho, essa é a hora de iniciar um diálogo mais consistente. Que música você está ouvindo? Desculpa, sou curioso. Ela riu. Percebi. Me deu um fone. Pensei milésimos de segundos antes de colocá-los: Se for Chico Buarque eu peço ela em casamento agora mesmo. Não era. Não casei. É uma boa musica para se ouvir em ônibus esta. Voltou para o início da música. "Pela janela eu vejo..." é verdade, é uma boa música para se ouvir ônibus. Você vai descer onde? A pergunta que eu deveria ter feito, ela fez. Na penúltima parada e você? Na ultima. Eu também, coincidência. Mora por aqui mesmo? Não, moro do outro lado da cidade, vim visitar minha prima e é a primeira vez que venho neste ônibus. Tem Facebook? Não. Certo, ela não tem Facebook, significa que ela não quer contato após chegar ao nosso destino. Mas tenho Whatsapp. Retiro o que pensei. Poderia me passar? Sim, claro. Bolso, outro bolso. Pensei: Porra, esqueci a merda do meu celular em casa. Disse: Esqueci em casa, você poderia anotar? Isso, essa é a deixa para ela abrir a bolsa e eu perguntar qual livro ela está lendo. Zipper. Qual livro você está lendo? Ah, é este que peguei na biblioteca da faculdade que tentarei entrar este ano. Quantos anos você tem? 17. Dois anos mais nova que eu. Interessante... Colocou o guarda chuva um pouco de lado e anotou em um papel apoiando-o  nas costas do banco da frente, o que fez, com o movimento, sair o primeiro número um tanto quanto torto. É um nove? Risos. Sim é um nove. Risos. Resolveu apoiar em suas coxas. Anotou e colocou seu nome. Kecya. Como é seu nome? Carlos. Kecya, Carlos.

Kecya...

Carlos Ant.

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