Abre seu MacBook, senta-se no sofá e coloca sobre suas. Parece estar confortável mas está muito nervoso. Pensou em não começar com esse jogo, mas quer saber até onde isso vai dar-se. Digita sua senha pessoal que dá acesso a todo seu conteúdo no sistema. Abre o navegador, escreve seu endereço de seu site pessoal. Faz login com as informações recém encontradas, arrasta o cursor lentamente até "Escrever novo conteúdo". Não escreve nada, fica ali pensativo, encarando a tela de 11 polegadas, sem saber como vai apresentar para seus poucos leitores o que lhe havia acontecido durante o dia. Percebe que está na hora do seu remédio de hipertensão, corre na cozinha, ingere seus comprimidos e volta para o notebook, tendo assim o tempo inteiro sem interrupções para explanar o ocorrido.
"Poderia não escrever aqui, mas posso, e quero. Preciso compartilhar com alguém isso, e logo agora que consegui voltar a escrever nesse blog que meu sobrinho fez para me distrair. Que ainda relutei por achar que falar sobre doenças, escrever meus poemas de merda e reclamar sobre a vida, seria a maior pedra jogada em cima de mim para eu afundar ainda mais nesse poço que beira a baixa estima, ou seria alto baixa estima? Que seja, o que convém aqui é um ensaio do meu monólogo, já que eu escrevo para ninguém e cada vez menos tenho visualizações nessa porra. Vou então por fim nessa verborragia.
Acordei hoje de manhã com o despertador berrando às 5:15 me obrigando a abrir os olhos. Detesto acordar cedo, sempre detestei despertadores. Principalmente por causa do nome, desperta-dor o que me soa de uma puta ironia descarada, porque desperta-me do sono, e o único instante em que não sinto nenhuma condolência é quando me permito dormir.
Ao acordar o mais cedo que posso e com o despertador, já desperto irado, o que preenche boa parte do meu nível de estresse diário, e o que garante que dificilmente não irei sair do sério durante o dia, ora por já estar no limite, ora por já não me importar mais com nada. Abri meus olhos como de costume, olhei para o teto branco e mofado por alguns segundos enquanto cantava o mantra diário "Om Namah Shivaya, Om Namah Shivaya, Om Na..." até que meu pensamento foi interrompido por um barulho estrondoso e estranho na sala.
Fazendo uma conta rápida, levo exatos 8 segundos para levantar-me, sendo dois para pegar a bengala que uso desde o ano retrasado (2), quatro para conseguir levantar-me, primeiramente apoiando minha força no braço direito já com a bengala posicionada e com o esquerdo dando um pequeno impulso na borda do colchão, sempre com muito sucumbimento(2+4=6), e dois para respirar profundamente desse ato vitorioso(2+4+2=8). O que está fora de cogitação respirar nesse momento(2+4+2-2=6), o que me resta a ter 6 segundos. Cujo não usei mais que 4 para fazer tudo sem esforços.
Sem mantra, sem bengala, sem respiração de ato vitorioso. Com labirintite atacando, náuseas, ânsia de chão firme, remédio atrasado, medo, vista escurecendo, queda, reticências.
...
O despertador fez seu trabalho mais uma vez - como não desliguei antes de levantar ele acionou o modo soneca que desperta de duas em duas horas em dias que resolvo vegetar- me acordando de um novo ciclo de sono. Atordoado resolvo levantar-me com calma, acreditando na hipótese que se fosse algo sério eu já estaria na fila do túnel da morte. Levanto com o dobro de tempo necessário antes já descrito (4+8+4=16), e calmamente vou verificar o que aconteceu na sala.
Aparentemente tudo intacto, sem nenhum indício de roubo, janelas fechadas, porta trancada, nada bagunçado. Percebo que há uma pequena caixa em cima do televisor com uma fita vermelha envolvendo-o, resolvo averiguar e vejo que está destinado a mim, Rua Largo das flores - Condomínio Alfa - Numero 312 - bloco C - próximo a Praça Dom Casmurro e com minhas iniciar C.A. comumente usado aqui neste blog.
Balanço o caixote com minhas mãos trêmulas e ouço algo agitando em seu interior. Resolvo deixa-la em cima da mesa quando faço o caminho de volta para meu quarto. O leitor do meu relógio digital mostra 7:30 e ainda não caminhei pela orla, calço meus tênis, visto meu moletom e minha calça de caminhada, pego meu iPhone e saio para minha atividade diária com atraso por conta do inconveniente acontecimento que não tiro da cabeça.
-
Resolvo falar com o porteiro do condomínio:
- Bom dia Luís, você poderia me informar se hoje alguma pessoa suspeita entre 5h às 5h e 15m estava a minha procura ou se adentrou com seu consenso que possivelmente tenha se dirigido ao bloco C? - Acho que fui direto demais, cordial demais, cacofônico demais. Deveria ter preparado o terreno, ele é jovem e não entenderá os subentendidos da linguagem de um senhor como eu, que quer apenas saber se algum ladrão, ou filho de uma puta adentrou na minha casa.
- Bom dia Sr. nenhuma pessoa fora do habitual, peguei no "trampo" hoje até mais cedo e ninguém pediu pra entrar não senhor!
Logo concluo que foram apenas o leiteiro Paulo, o padeiro Marcelo, o carteiro Rodrigo.
Agradeço fazendo um gesto com a cabeça, colocando o fone de ouvido e começando minha corrida diária.
A pior coisa que ter de servir o exército, foi acordar cedo para alistar-me. Lembro com riqueza de detalhes, no ano em que completei 18 anos, 50 anos atrás, em 1964, ano do caos militar.
Eu raquítico, vulnerável às doenças mundanas, acreditando que se contraísse tuberculose, poderia rapidamente morrer, semelhante aos escritores que tanto admirava. Me dirigi a Base Militar, depois do banho frio da madrugada, amaldiçoando tudo que via ao meu caminho. Não que estivesse com raiva, mas porque não concordava com esse sistema novo de "pseudo patriotismo", a ideia de ser obrigado a fazer algo sempre me deu nos nervos, tenho alergia a isso. Quando chego ao destino, os portões estão fechados e deparo com 4 pessoas fora. Ficamos então esperando algum parecer sobre aquilo, alguma resposta. Já éramos em cerca de 23 quando veio um senhor prepotente, flamejante em andar em direção a nós. Abriu os portões e mandou-nos fazer uma fila indiana, respeitei com nevralgias intensas. O modo dele falar empolavam-me a pele. Seu ar de superioridade, ignorante de jurisprudências. O que se falar sobre jurisprudência estando em 64?
Deixou-nos separados dos demais, em destaques, organizou-nos para que ficássemos de frente para todos, que deviam ter madrugado ali.
Inopinadamente berrou pedindo atenção:- Prestem atenção, quero mostrar a vocês, futuros senhores. Que cumprem com seus compromissos como homem - salientou a voz em um tom rouco diferente do resto da frase quando pronunciou "homem"- que pretendem ter uma vida correta. Não sigam o exemplo de incompetência desses vermes, que não respeitam o horário, não respeitam a pátria, nem respeitam o sistema. Esses são os 23 exemplos claros do que vocês não devem ser. Enquanto a vocês - voltando seu olhar irado a nós, eu posicionado em quinto da fila, exatamente em sua frente, seu dólmã diferente do fardamento dos demais, mostrava o caráter que tinha, estava em frente ao dono dos porcos - deveriam provar, como castigo da nova república. Vocês são um bando de merda, nada mais que um bando de merda, que deveria ser juntadas e jogadas no sanitário e dar-se a descarga. Além de tudo ainda são uns covardes. Covardes de merda.
Subiu sobre mim a fúria anunciada, mordi minha língua e soutei uma bufada que achei que não seria audível.
- huumf
Ele localizado em minha frente desceu seu olhar a mim, diretamente a mim agora, olhando-me de cima para baixo por ser mais alto que eu.
- Vejo que aqui tem um tipo de merda diferente, corajoso moleque, mas aqui não é um lugar para pessoas que desafiam. Onde você acha que está? Você sabe do que eu sou capaz?
Quando ouvi esse raciocínio tolo, não pensei em outra coisa se não citar "Poema em Linha Reta" de Fernando Pessoa.
Resolvo falar com o porteiro do condomínio:
- Bom dia Luís, você poderia me informar se hoje alguma pessoa suspeita entre 5h às 5h e 15m estava a minha procura ou se adentrou com seu consenso que possivelmente tenha se dirigido ao bloco C? - Acho que fui direto demais, cordial demais, cacofônico demais. Deveria ter preparado o terreno, ele é jovem e não entenderá os subentendidos da linguagem de um senhor como eu, que quer apenas saber se algum ladrão, ou filho de uma puta adentrou na minha casa.
- Bom dia Sr. nenhuma pessoa fora do habitual, peguei no "trampo" hoje até mais cedo e ninguém pediu pra entrar não senhor!
Logo concluo que foram apenas o leiteiro Paulo, o padeiro Marcelo, o carteiro Rodrigo.
Agradeço fazendo um gesto com a cabeça, colocando o fone de ouvido e começando minha corrida diária.
A pior coisa que ter de servir o exército, foi acordar cedo para alistar-me. Lembro com riqueza de detalhes, no ano em que completei 18 anos, 50 anos atrás, em 1964, ano do caos militar.
Eu raquítico, vulnerável às doenças mundanas, acreditando que se contraísse tuberculose, poderia rapidamente morrer, semelhante aos escritores que tanto admirava. Me dirigi a Base Militar, depois do banho frio da madrugada, amaldiçoando tudo que via ao meu caminho. Não que estivesse com raiva, mas porque não concordava com esse sistema novo de "pseudo patriotismo", a ideia de ser obrigado a fazer algo sempre me deu nos nervos, tenho alergia a isso. Quando chego ao destino, os portões estão fechados e deparo com 4 pessoas fora. Ficamos então esperando algum parecer sobre aquilo, alguma resposta. Já éramos em cerca de 23 quando veio um senhor prepotente, flamejante em andar em direção a nós. Abriu os portões e mandou-nos fazer uma fila indiana, respeitei com nevralgias intensas. O modo dele falar empolavam-me a pele. Seu ar de superioridade, ignorante de jurisprudências. O que se falar sobre jurisprudência estando em 64?
Deixou-nos separados dos demais, em destaques, organizou-nos para que ficássemos de frente para todos, que deviam ter madrugado ali.
Inopinadamente berrou pedindo atenção:- Prestem atenção, quero mostrar a vocês, futuros senhores. Que cumprem com seus compromissos como homem - salientou a voz em um tom rouco diferente do resto da frase quando pronunciou "homem"- que pretendem ter uma vida correta. Não sigam o exemplo de incompetência desses vermes, que não respeitam o horário, não respeitam a pátria, nem respeitam o sistema. Esses são os 23 exemplos claros do que vocês não devem ser. Enquanto a vocês - voltando seu olhar irado a nós, eu posicionado em quinto da fila, exatamente em sua frente, seu dólmã diferente do fardamento dos demais, mostrava o caráter que tinha, estava em frente ao dono dos porcos - deveriam provar, como castigo da nova república. Vocês são um bando de merda, nada mais que um bando de merda, que deveria ser juntadas e jogadas no sanitário e dar-se a descarga. Além de tudo ainda são uns covardes. Covardes de merda.
Subiu sobre mim a fúria anunciada, mordi minha língua e soutei uma bufada que achei que não seria audível.
- huumf
Ele localizado em minha frente desceu seu olhar a mim, diretamente a mim agora, olhando-me de cima para baixo por ser mais alto que eu.
- Vejo que aqui tem um tipo de merda diferente, corajoso moleque, mas aqui não é um lugar para pessoas que desafiam. Onde você acha que está? Você sabe do que eu sou capaz?
Quando ouvi esse raciocínio tolo, não pensei em outra coisa se não citar "Poema em Linha Reta" de Fernando Pessoa.
"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."
Ouviu minha eloquência recitada do início ao fim, sem hesitar interromper, o que me inflava ainda mais o ego e o medo.
- Fernando Pessoa, conhece? - Indaguei quando encerrei, ainda olhando em seus olhos em um tom trêmulo
- Parabéns moleque, és bastante corajoso. Pegou com força meu braço olhando para todos e disse:
- Este garoto é corajoso, tem talento. Olhem bem para ele. A maior bosta de todas!
Fizeram do silêncio o riso, olhei rapidamente para os moleques que estavam fustigados pela êxtase do riso incontrolável. Bando de ignorantes, pensei comigo.
Durante meus primeiros pensamentos de formação de caráter, minha querida mãe sempre me auxiliou no que diz respeito a escolha de personalidade. Primeiro me apresentava-me a situação, depois mostrava as consequências que poderiam acarretar de minha opção, na maioria das vezes duas. Com raras exceções quando havia apenas uma consequência, que diretamente estava em sua vez sempre ligada a dogmas religiosos, que não passara para mim, mas que sentia uma forte influencias em muitas de minhas escolhas. Minha mãe, um exemplo de boa conduta, que carregava consigo um estilo de sincretismo religioso. Em um braço um patuá, em outro um terço e no pescoço um japamala. Permitiu deixar eu escolher minha religião, escolhi ser poeta, ela sorriu em aprovação. Corriqueiramente aconselhava-me sabiamente a nunca desejar o mal para o próximo, pois voltaria em uma carga superior à mim.
Lembrei da frase de minha mãe quando me encontrei naquela situação, quase como ouvindo ela falar em meu inconsciente. Não pensei duas vezes e roguei-lhes a praga da morte! Ora, não se dá para morrer mais de uma vez, e se retrocedesse a mim, estaria no lucro pela morte de todos.
O militar chefe pediu para que eu ficasse ao seu lado e obedeci.
- Vamos dar início ao alistamento militar de 1964, todos me sigam em fila.
Senti o sangue subir para a minha cabeça como se estivesse a horas de cabeça para baixo. Levou-nos para uma sala grande, mas que não comportaria a todos, tinha muitas carteiras como em uma escola, mas muitos ficariam de pé, e fora da sala. Ordenou que preenchêssemos uma questionário com nossas informações distribuindo canetas.
- Ao terminarem de preencher, permaneçam com elas em suas carteiras que irei recolher por ordem de chegada. Enquanto a você - voltou-se a atenção a mim - me entregue imediatamente.
- Sim senhor capitão! Respondi em tom debochado levantando minha mão direita à cabeça, como uma criança rebelde que mostra cinicamente sua ironia.
Saiu da sala, eu fiquei lá em pé, em frente à todos. Completei meu cadastro, e por coincidência ele entrou na sala. Ele era do sul do país pelo sotaque gaúcho, possivelmente de origem alemã.
- Terminaram? Perguntou com um grito que fez a sua veia jugular saltar.
- Sim. Respondeu um coro tímido e decrescente.
Mandou um soldado recolher as folhas e aguardar sua orientação.
Tomou minha folha, e carregou-me pelo braço até uma sala ao lado e trancou a porta.
Levantando minha cabeça com uma só mão, empurrou-me contra a porta e escarrou na minha cara. Com a outra tirou um cigarro e um esqueiro prata de sua calça, acendeu o cigarro. Baixou a cabeça olhando para o papel.
- Então quer dizer que o desaforado se chama Caleb? Hahaha - Soutou uma gargalhada de deboche.
- É isso mesmo? Por que teu pai ti deste este nome guri? Conhecia os ensinamentos bíblicos e homenageou-o com a coragem do hebreu ou apenas queria reafirmar sua insignificância usando um sinônimo hebraico para a palavra cachorro?
Pensei em uma resposta a altura, mas nada me parecia ser bom o suficiente quanto um soco no estômago. E foi isso que eu fiz, pensei que se pensasse mais um pouco acabaria "sofrendo enxovalhos calado" e "quando a hora do soco surgiu" não me agachei, aproveitei bem a sua possibilidade. Mas é claro, um jovem fraco de forças e inexperiente em questões de brigas. Que não faz nada além de estudar, por acreditar que seria um grande escritor no futuro passaria vergonha. Não fiz nada além de provocar nele a ira de um tenente covarde, que estava sendo totalmente apoiado em quaisquer atitudes tomadas pela nova Revolução de 1964. Silencio, silencio, tudo é silencio. Parvo é quem quebra-o sem ter a certeza do que falar. A quebra do silêncio pode fazer de um aparente sábio em um tolo em poucos segundos. Com medo de ser tonto, fui.
"Mais vale um herói vivo que um herói morto", ecoou em minha cabeça mais um conselho de minha mãe. Mas pensando nela agora, percebo que todo herói morto soube do risco que tinha. De todas as maneiras de falecer heroicamente, não gostaria que fosse com tanta submissão como a que eu me encontrava. Em uma sala trancada, de um quartel milenar, com a cara que escorria excreção de um asqueroso e sendo enforcado contra a porta.
Toda ação resulta em uma reação, e o que resultou da minha foi um descontrole inenarrável aqui do tenente. Arrancou-me as vestes, me trouxe para o meio da sala e me examinou. Ele sabia do poder que tinha, e o que viesse a fazer comigo, não seria ele em hipótese alguma desguarnecido pelo estado - o que anos depois apropriando dessa filosofia fascista recém instalada, deu-se uma onda de torturas e massacres em todo o país.
- Está desprotegido gurí. Estás como Deus te colocaste no mundo. Agora eu sou o teu deus. Pois tenho controle sobre teu futuro. Te mato ou te deixo vivo? Isso só eu responderei! E eu adoro brincar de ser deus.
- Por tudo que é mais sagrado senhor, não me mates. Se tu eres meu deus, te clamo para que me deixes viver. Prometo servir-lhe e ainda mais, servir a pátria! - Quando se está assim, tão próximo da morte. Quando é possível sentir o calafrio da possível hora da partida emanar de cada poro do corpo, demonstrará o tipo de herói que destinou a seres. O covarde que permanece astuto ou o mártir que será vangloriado em folhas de livros de História.
Aquelas palavras heréticas proferidas pela minha covardia, que relutei em permanecer em silêncio. Por sorte não me renderam um feriado com homenagem própria. Logo que, não poderia definhar-me da maneira que estava, nu.
- Estranhamente estou de bom humor hoje. O Grêmio venceu ontem Inter de 3x1.
O tom sarcástico proliferou-se na pequena sala. Como diria o celebre poeta e escritor argentino Jorge Luis Borges "El futbol es universal porque la estupidez es universal"
Assim como em um jogo de xadrez, ele estudou-me e e descobriu meu ponto fraco. Conseguiu a proeza de um xeque-mate, venceu a partida sem chances de movimentos para minha rainha e perdi vergonhosamente. Minha mãe se me visse ali, orgulharia-se de mim, não por outra coisa, mas simplesmente por me ver ser o herói que sobreviveu, mesmo que fedendo a pânico.
Minha maior fraqueza é ser desnudado, ser visto decomposto de armadura. Durante muitos anos meu maior pesadelo referenciava a isso. (Passava-se em uma antiga escola que estudava, andava em curtos passos durante o recreio, quando de repente um moleque tirava-me a roupa. Rapidamente todas as crianças ali faziam uma roda em torno de mim e me ridicularizavam). Sempre acordava muito nervoso.
Logo nas primeiras palavras da bíblia, que li quando criança, não pude entender a metáfora da concepção imediata da vergonha de estar nu a partir da mordida do fruto proibido. Essa desobediência perante ao seu criador da criatura, acarretou, para todas as futuras gerações - inclusive para esta que vos escrevem, quanto para as que ainda estão para nascer - esse sentimento de timidez quando se está ao natural quando observado pelo outro. Por qual motivo foram castigados com o pudor? Por que não apenas os expulsaram? Poderia agora poupá-los da paranoia que desenvolvi acanhando-me quando sem roupas.
Ora pois, se Ulisses quando se viu pelado e sujo de lama na foz do rio, quando despertou de sua volta para casa em Ítaca, recorreu prontamente a um galho próximo a si quando ouviu a voz da princesa Nausícaa e suas criadas, devo não estar só neste largo mundo.
Obviamente não queria carregar essa condição, queria mostrar-me, queria ter a inibição de Lennon e Yoko. Queria que Freud me encaixasse no desejos infantil de exibicionismo, queria não ter desencadeado a paranoia por uma possível repreensão na fase fálica.
- Fique aqui vou chamar os futuros soldados.
Saiu da sala e levando consigo minhas roupas, e eu fiquei lá, parado, com uma mão cobrindo meu pênis flácido e outra minha bunda.
Cerca de 5 minutos ele entra com um grupo de 8 garotos.
- Fiquem todos uns ao lado dos outros - puxou-me para o seu lado direito mostrando o que eu escondia - tirem suas calças e cuecas até a altura do joelho, coloquem a mão direita fechada em frente a boca e soprem com força. Quando todos fizeram o que o tenente orientou, ele analisou os sacos dos que estavam a sua frente, exame de hidrocele.
- Vistam suas roupas e peçam que o outro grupo venham!
Achei que poderia ir também, tentei pegar minhas roupas que estavam com o tenente e ele recuou dizendo que eu iria ficar até todo o exame médico terminar. Comecei a me coçar de novo.
Mais um grupo de 8 garotos entram.
- Fiquem todos uns ao lado dos outros, tirem suas calças e cuecas até a altura do joelho, coloquem a mão direita fechada em frente a boca e soprem com força. - analisou - Vistam suas roupas e peçam que o outro grupo venham!
E fiquei ali tímido, humilhado, almocreve de paranoias freudianas por estar pelado e com esfoladuras nos antebraços e pescoço por estar sendo contrariado. Não imagino o tempo que fiquei em pé, e de quanto eu desejei estar em casa e ele desconsiderasse o meu pedido precipitado libertador de servir ao exército. Quando a tortura acabou, e estávamos sozinhos, ele jogou minha roupa no chão. Vesti tão rápido quanto um recém pai ao descobrir durante a madrugada que a bolsa de sua mulher acabara de romper.
- Você não precisa fazer os demais testes, apenas dirija-se a sala ao lado e deixe suas medidas, você acaba de fazer parte do pelotão do exército de 1964. Parabéns soldado Caleb Alencar, retorne no dia e horário indicado pelo soldado Messias.
Desconcertado encaminhei-me para o local indicado realizando as medidas e preenchendo um documento, em seguida recebi um papel do soldado que creio que seja o Messias.
Em casa, tomo o banho e como algo da geladeira. Durmo tanto que esqueço das horas.
-
Durante a minha caminhada, pensei nesse acontecimento, resolvi transcrever aqui, pois estou me sentindo do mesmo modo. Fui invadido, e o pior, por alguém que não faço ideia de quem seja. Mas tenho como suspeitos o leiteiro Paulo, o padeiro Marcelo e o carteiro Rodrigo. Claro! Provavelmente foi um deles. Mas ainda não sei o que tem na caixa, e não posso jugar nenhum deles até que tenha certeza do que se trata.
"Ora, quem diria que o Sr. Caleb Alencar seria tão vulnerável, achei que seria mais difícil adentrar em seu terreno e plantar essa pequena pedra em seu caminho. Pois já que plantei saibas que trará a ti bons frutos, e a mim, gargalhadas sinceras. O jogo é simples! Eu controlo o que você posta no seu blog agora. Estou cansado de ler as mesmas baboseiras de senso comum, meio blasé meio ordinário, e esperar longos intervalos de tempo entre uma postagem e outra, sei que o C.A. é bem maior do que aparenta ser. Espere as instruções nas próximas correspondências, e bem vindo ao jogo!"
Que merda é essa que acabei de ler? Como uma pessoa invade meu lar, se atreve a me chantagear desta maneira e acima de tudo fala que o que eu escrevo é ordinário? Mas ele não sabe com se meteu, você acessa meu blog não é mesmo seu ignóbil, pois saiba que não tenho a minima intenção em participar desse seu jogo estúpido. O blog é meu e posto nele o que quero, apesar de saber que ninguém lê, tenho a liberdade de colocar o texto que me convêm a hora que achar necessário. E entenda você, que não gosto nenhum pouco de suspenses, tanto que antes de ler qualquer livro ou ver qualquer filme, vejo primeiro o fim, para quebrar possíveis expectativas. Não quero participar de nenhum jogo, não tenho idade, não estou disponível para experiencias, e cabe aqui um Foda-se com f maiúsculo!
Contorcendo-se de ira, arrasta o cursor até "publicar" no fim da página em laranja, mas não posta, fica a pensar em tudo que escreveu. Leva as mãos a cabeça, inspira fundo e solta tudo como se fosse um cavalo a relinchar. Solta um palavrão e ri de tudo.
- Como pude ser tão burro? Sherlock Holmes me socaria o estômago neste momento. Como posso publicar o nome de meus suspeitos sabendo que um deles acessa meu blog? Tudo bem que eu renunciei em continuar com isso, mas se não prosseguir, como saberei quem é, e principalmente, o que quer de mim? Perderei noites de sono se simplesmente negar. -pega o mouse e arrasta o cursor até "Salvar em rascunhos" dá um click, volta-se para "Escrever novo conteúdo", digita a mensagem, "Seja você quem for, que o jogo comece!", e então publica. Baixa a tela de seu Macbook e dirige-se ao quarto.
Uma mistura de pensamentos rondam-lhe, seria ele capaz de escrever um livro inteiro em poucos minutos, contendo apenas frases filosóficas estruturadas no que ele sente agora, se alguém lhe perguntasse neste momento o que ele sente, não saberia explicar, mas sente, e sente muito. Até pensou em levantar, pegar uma caneta e um caderno e exportar tudo o que tá lhe tirando o sono, seriam pérolas usadas em discursos de posse, prefácios de monografias de futuros renomados médicos... mas não quer levantar, está exausto, e sabe que ao acordar de manhã não lembrará mais de nenhum inside, então, consegue dormir.
...
Relógio desperta mais um dia, 5:15 e hora de caminhar, levanta fazendo os mesmos esforços matinais e com o mesmo tempo de sempre, tão previsível, tão monótono, tão medíocre. Abro uma licença poética para parafrasear Carlos Drummond de Andrade, que ao ver a mesmice dos hábitos repetitivos não hesitaria em exclamar alto e em bom som "Eta vida besta, meu Deus". Caleb prepara seu café e senta com a xícara na mão quando vê uma carta próximo a porta, desta vez o grande mestre não quis entrar? Pensou enquanto levantava e caminhava em direção a carta, desta vez não fez suspense, não se sentiu invadido, e não temeu, deu um grande gole, e abriu o envelope.
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