segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Antônio, Diana e o Médico

Estava demasiadamente frio, quando o telefone desperta, era a hora de Diana ir ao trabalho. Haviam dormido tarde aquele dia depois de comerem exacerbadamente duas pizzas sozinhos. Com os olhos preguiçosos e semi cerrados, aponta ele a visão para ela logo a sua frente que já estava desperta, na mesma cama, no mesmo quarto. Solta a frase de apelo com a voz matinalmente rouca: "Não vá trabalhar hoje, Diana!" - em um falsete decrescente quase inaudível nas ultimas silabas.
Delicadamente, ela vira-se de frente para ele, recolhe o lençol caído de seus ombros, e lhe beija a testa. Não pôde refutar a atitude dela em desobedecer a sua súplica, estava exausto demais e cada parte de seu corpo parecia ter vida própria, e como imãs puxavam-os novamente em direção ao sono. Parecia que não repousava há séculos! Deixou ele então ser levado pela correnteza de seu cansaço físico, permitindo então continuar ali, a vegetar em meio à sombra da cortina fechada.
                                                                             ...
Acordou - não sei informar com precisão quanto tempo depois - avulso. Olha para o lado dela na cama enquanto passeava a mão na colcha onde ela estava, como não pôde convencer ela a ficar? Lastimou ainda alguns segundos, quando resolveu levantar. Ela poderia estar preparando-lhe um café como fazia no início do namoro - pensou enquanto vestia o seu short rapidamente. Saiu do quarto cambaleando com dificuldades. Sua pulsação aumentou significativamente, o ar ficou rarefeito, suas pupilas dilataram-se em contato com a claridade repentina, o que causou-lhe uma cegueira temporária, suas pernas sucumbiam de desespero e ânsia pelo chão firme. Sentiu descer sobre sua testa recém beijada um suor frio que caia lentamente aproveitando cada área de sua pele. Encontrou-se desolado, atirou seu corpo ao chão como uma criança clamadora de justiça, desatinou. Resolveu sentar no sofá, o que lhe causou uma tristeza de pardal impossível, dos seus olhos desabaram chuvas de março, afogou-se.
 - Como não pude dizer que a amava antes que ela fosse?
Aquele sentimento cravado que vai perfurando a alma, insultando a calma e solavanco buracos.
Pega o celular e resolve ligar.
 - Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mens... Desligou - merda!
                                                                                     ...
Esse é Antônio, tem esse nome porque nasceu com o cordão umbilical laçado três voltas em seu pescoço. Pela tradição nordestina a mãe o batizou com o nome que carrega, por medo de uma lenda que diz que crianças nascidas desse modo, tem o seu futuro marcado com a morte certa na água ou no fogo. (Se soubesse ela que morrer de amor é tão pior quanto alguns segundos sem respirar embaixo d'água ou ter o corpo carbonizado no fogo, teria colocado o nome dele de Samuel). Como não queria que a maldição lendária regional caísse sobre seu filho - pelo cansaço do parto ou pelo esquecimento do tempo - confundiu o nome dos santos e pediu a bênção de São Cipriano, batizando no ato, seu filho, pela testemunha da parteira, de Antônio Cipriano.
Talvez pela pressa em sair daquele local claustrofóbico e úmido que ansiava por meses pelo seu próprio parto, talvez pela ideia ilusória mal desenvolvida do feto que o mundo não seria para ele, sem querer, e por discrepância do destino, não imaginava que por ter dado 3 voltas no útero antes de sair, seu futuro seria marcado pelo nome que lhe foi concebido. Sua mãe porém morreu pouco depois de dar a luz, entregou-lhe então antes de falecer, seu primeiro e único filho a parteira e madrinha, juntamente com um terço da medalha milagrosa, alguns centavos e um beijo na testa.
Antônio então desenvolveu uma espécie de clarevidência, conseguia entender sem esforço o que se passava ao seu redor - Freud talvez explicasse, mas não é Freud, então atribuía a uma espécie de presente do divino, cujo usava muito bem. Levou sua vida assim, aproveitando-se de seu dom, sempre para favorecer a si mesmo, mas nunca usando contra os outros. Cresceu rápido e forte, Antônio era um garoto "perspicaz" aos olhos de quem não o conhecia bem.
Toda história, estória ou o que quer que seja, sempre existe no herói - ou no vilão - um ponto fraco, uma kryptonita, uma necessidade de manter a calma...e com Antônio, não poderia ser diferente.
Conheceu Diana no ensino médio, a única pessoa cujo não conseguia decifrar. Não entendia como acontecia, ela era emblemática, difícil de se adentrar. Sem razão e nunca sem razão, se apaixonou por ela. Porque no fundo é assim, a paixão vem e a razão evapora para fora da possibilidade de visão.
Deve-se ser um guerreiro para decifrar as peculiaridades do amor, tão misterioso. Amor é sorte lançada, como na espada Excalibur que o rei Arthur conseguiu arrancar da pedra, o amor é a Excalibur.
Terminaram o ensino médio juntos e casaram. Quando se tratava de Diana, sua anormalidade sensitiva ficava desconexa.
                                                                            ...
                                                       Continuando à premissa inicial
                                                                            ...
Pensou em várias possibilidades do que poderia acontecer naquele dia. Por ele estar sentindo um vazio enorme, e uma necessidade dela, concluiu assim, em uma teoria mais plausível que ele a perderia.
Diana, que entrou tão recentemente em seu emprego como recepcionista no hospital, trabalhava oito horas por dia e em dias estafantes de trabalho sobre-humano. Que estava cansada da monotonia de imaginar seu futuro, ora incerto, ora certo, ora certo, ora repentinamente incerto. Ficava ela, oito horas por dia fingindo um sorriso que não era dela e aceitando afrontas de pacientes e calada. Com pausa de meia hora para um almoço ruim e sem gosto.
Até que assim, de repente, nada mais que de repente, sem razão e nunca sem razão nenhuma, se apaixona por um médico que a cumprimentou no balcão - sorte de Diana que Antônio pensa no mais sórdidos de seus pensamentos, que ela vai morrer.
Voltou ela da labuta cansada, sempre cansada. Cansada para carinhos, cansada para filmes, cansada para pizzas de madrugada. Ele voltou também, mas voltou atrás na forma como agia, passou a amá-la como se estivesse em seus braços pela ultima veze - o que não seria falso se fossemos olhar sobre uma analogia diferente.
Pobre Antônio, no alto de sua ingenuidade ou burrice não percebe que quando uma mulher está gostando de outro, a primeira coisa que ela faz é ficar cansada para o sexo? Não precisa ter o QI de um Einstein para entender tal fato, é quase que genético oriundo da evolução do macaco tal percepção.
E quem diria Antônio, achando que Diana havia de ter pego uma doença no hospital e que seria por esse motivo tal morte - o que não seria falso se fossemos olhar sobre uma analogia diferente.
Ela evitou, claro que evitou, mas só duas vezes. Na terceira vez que o viu não hesitou em pedir seu numero de telefone e sorrir, depois de alguns dias no hospital, pela primeira vez por alguns segundos, o sorriso que era dela.
(A partir de agora, Diana morre, mas ela ainda não sabe. Em meados do mês de agosto de um ano que prefere não dizer, mas ele lembra bem).
Ela doente apaixonada pelo médico, e ele doente achando que ela estava apenas doente. E achando também, que iria a perder por essa doença. Antônio está tão próximo de desvendar o mistério - está quente, agora está muito quente, agora você está na boca do inferno.
 - Antônio, puxe a espada da pedra!
Acho que ele não me ouviu, está ocupado demais com medo de perdê-la.
Espera ele rezando para que o ônibus não vire, para que não faça nenhum movimento brusco se caso fosse assaltada, ou que sua doença não se degenere e se torne algo pior. A doença já "se degenerou", só falta o momento do "algo pior".
 Graças a Deus, Krishna, Buda, Alá, Diana chegou. Não morreu ... ainda.
Eles se abraçam, mas ela está cansada demais para continuar a fraternidade do encontro. Deita na cama.
 - Estou morta!
Antônio fecha os olhos e fala baixinho: "Perdoa Deus, ela não sabe o que diz" - perdoa Deus ele também não sabe!
 - Hora de relaxar um pouco, deixa eu tirar seus sapatos, deixa eu tirar essa blusa apertada, esse sutiãn...
CORTE LACANIANO. Adivinhem? Sim, ela está cansada demais; meus pêsames caro Antônio, você não é ancestral de um primata.
Sua mulher está doentia, deve procurar um médico. Deve mesmo procurar um médico? Vou me abster de comentar qualquer coisa, Antônio não sabe e poderia ficar chateado por eu ainda não lhe ter contado, e como grande amigo que sou, não deveria explanar sua vida assim. Mas vocês são testemunhas que tentei evitar...
                                                                                ...
                                                      Pausa dramática sem intuito aparente
                                                                                ...
Por que ela dorme tanto? Ele fica olhando de cinco em cinco minutos se ela respira. Acordou ela uma vez assustado, quando viu que ela estava viva, para disfarçar, disse que a amava.
Depois dessa, voltemos a dormir.
(...)
Quando uma pessoa dorme, só há duas alternativas para explicar a procura do processo. Ou está querendo relaxar, ou está querendo fugir da realidade. Preciso usar o Chico Buarque para elucidar melhor a situação "Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça, inútil dormir que a dor não passa". Já estão dormindo, não ouviram, ele pra relaxar, ela tentando fugir.
                                                                                ...
                                                      Pausa dramática com intuito aparente
                                                                                ...
Já fazem cinco dias que ELE morreu para ela (houve um erro de interpretação, se nós fossemos Antônio e tivéssemos sua mediunidade, já teríamos abstraído logo no inicio, peço então desculpas, vocês também me pedem). Detesto noticias tristes. Estou em duvida em como informo para ele que ele iria perder ela, mas que quem iria morrer era ele? O que vocês falariam? - pergunta retórica, não os posso ouvir, mas agradeço quem teria uma resposta.
Preciso pensar em como lhe dizer, talvez um: "Oi Antônio, tudo bem? Sua mulher tá apaixonada por outro cara tá?" Não, direto demais. "Eai mermão blz, tu tá de boa com a comadre?" Não, não costumo ter esse linguajar, e além do mais, não gosto do apelido "comadre" para adjetivar uma mulher, a não ser que essa mulher seja mesmo a comadre de alguém na roda do diálogo.
Espera, Antônio é a pessoa mais sagaz que conheço, e a unica pessoa que ele não consegue decifrar é sua esposa. Se vocês estiverem seguindo meu raciocínio, saberão qual meu plano. Preciso fazer uma visita a meu velho amigo.
                                                                                ...
                                    Pausa para esclarecimentos do autor que entrará em cena
                                                                                ...
Não gosto de me envolver em minhas histórias, prefiro ficar sentado escrevendo e fazer a trama toda, é mais visceral, logo porque tem pessoas que acham que tudo que um escritor publica é autobiográfico. zzz Possivelmente vai surgir pensamentos que eu tenho haver nisso tudo, ou que isso tem resquícios de realidade. Ou que usei um nome querendo usar outro, ou que eu quero deixar algum recado para alguém. Eu me colocando aqui só vai deixar isso tudo mais aparente. Não, não tem, não é! O que que eu tenho que me meter nessa história, estória ou sei lá o quê?
Leitores que buscam achar na coincidência uma oportunidade de gritar: "SABIA!" com o dedo a riste apontando para o texto eu digo: "Não, você não sabia!". A única pessoa que deve saber alguma coisa aqui é o Antônio, ele sim merece saber de algo. Tô cansado já, devo estar apaixo...do-doente, devo estar doente.
Aí do nada o autor entra no fim do desenvolvimento para quê? Para causar uma briga de casal? Estou metendo a colher antecipadamente! E onde está ele que aperto a campainha a horas e ele não atende?
                                                                     
 - Dim, dom - décima oitava vez, poderia voltar se não morasse tão longe.
 - Dim, dom - décima nona vez, ele deve estar dormindo na tentar fugir.
 - Dim, dom - vigésima vez, será se não tem ninguém em casa? Viro a maçaneta e percebo que está aberta, eu como amigo (e criador do personagem) entro.
                                                                                ...
                                Ultima pausa, desfecho da história, estória ou sei lá o quê
                                                                                ...
Nem se vocês todos fossem Antônios como o Antônio teria imaginado a cena que eu vejo agora na minha frente. Eu me enganei o tempo todo - nós nos enganamos juntos. Na busca em achar apenas um morto, os dois estão agora em minha frente deitados no chão, afogados no vermelho-cor-de-sangue. Sobre ela está uma arma. Não sou perito, mas creio que ela atirou nele. Não sou psicologo, mas é bem provável que ela preferia acabar com a vida dos dois ao ter que deixar ele para ficar com qualquer outro. Como eu sou escritor, o que pude fazer se não pegar uma caneta, e um papel e mostrar pra vocês os fatos? Espero a polícia chegar, serei testemunha de mais um crime passional.
(...)
Algumas ponderações fundamentais para se compreender o motivo da morte, que por suposição, achei que seria a mais plausível.
(...)
Antônio foi deixar no sexto dia, dia do trágico acidente, Diana em seu local de trabalho. Despede-se de sua esposa e segue o rumo de sua casa, mas aconteceu que o destino o cruzou com o médico causador da confusão inicial. Não precisou ser dito nada, nunca precisou ser dito nada. O ódio, assim como a paixão vem e a razão evapora para fora da possibilidade de visão.
Já sabia de tudo, naquela manhã seis dias após a entrada dela no maldito emprego. Nada fez até chegar em seus aposentos, ligou para ela imediatamente.
 - Diana, precisamos conversar sério.
 - Está tudo bem Antônio? - indagou ela assustada, engolindo com saliva o desespero.
 - Sim está, só que precisamos conversar, beijos - não falou mais nada que isso - desligou.
 - Tu tu tu tu tu - depois de perceber que ele não estava mais na linha, ela respira triste.
(...)
Algumas ponderações fundamentais para se compreender o motivo do descontrole de seu poder paranormal mediante a Diana, que por suposição, achei que seria a mais plausível.
(...)
Antônio em casa não sabe o que fazer. Olha-se no espelho ensaiando diálogos, se pergunta o motivo disso tudo. Pergunta muitas coisas a si mesmo e cria perguntas que ele vai destinar a ela.
Diana no trabalho chora, chora como nunca lembrou-se chorar em vida. Se pudesse lembrar de suas fazes mais remotas da infantilidade, poderia dizer que só chorou assim quando nasceu. Ela chora porque ela já sabe o que está acontecendo, ela chora porque ela também tem poderes de sentir as coisas. Consegue sair mais cedo do mórbido emprego e acelera em seu carro a uma rua que tem certeza do que pode encontrar lá. Uma arma que pagou a vista para um drogado que precisava não mais que cinquenta reais. Certificou-se de que haveria três munições. Diana chegou em casa e deu-lhe um beijo. Ela não esperava um empurrão e ele não esperava nada do que aconteceria. Ela sacou a arma e deu-lhe um tiro em seu peito logo após de dizer que o amava mais que tudo nesta vida. Antônio caiu morto, Diana aponta a arma para cima e atira, desperdiçando mais uma bala que ela metaforicamente acreditou estar matando o médico. Antes dela colocar o cano da arma contra sua cabeça, certa do que faria, deitou ao lado do homem que ela nunca queria ter traído, segurou em sua fria mão esquerda e com uma lágrima quente que desceu o rosto assustado aperta o gatilho. POW!
Não era cansaço o que Diana sentira nos últimos dias, era a visão da cena que ela tivera desde que viu no segundo dia o médico passar por ela. Não podia evitar porém nada do que aconteceu, porque ele se chamava Antônio, livre por sua mãe de morrer afogado ou queimado, mas não com um tiro a queima roupa de um amor verdadeiro e passional. Teria sido tudo diferente se seu nome fosse Samuel.

Carlos A.

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