sábado, 25 de outubro de 2014

Cinco maneiras para se tornar um idiota

1. Certifique-se que você queira mesmo ser um idiota.
Posso garantir que ser idiota é bem mais aproveitável que ser sagaz, enquanto nesta minha condição posso me livrar de quaisquer situações por me verem como um ser sem nenhuma capacidade de ter razão. Posso evitar longos debates políticos, longas falácias religiosas e brigas de fanáticos futebolísticos - a tríade da desconstrução de uma pessoa. Logo, vivo no suprassumo da vivencia do "então esquece". É um aliado entanto para livrar-se de algo. Colocando em uma balança, ser idiota tem suas qualidades.

2. Ame alguém ou entre na igreja.
Se você não quiser de modo algum ser taxado por bobo, não ame ninguém. Amar é tirar o senso de realidade concebido por Deus à toda a espécie. Os piores idiotas são os idiotas apaixonados, pois tentam inconscientemente levar sua tolice para todos que os cercam.
Há três fases para esse tipo de pessoas:
   - 1. A fase da negação - todos falam o quanto ele regrediu em termos mentais, mas ele não enxerga e ainda chega a deduzir que quem está sendo bobo são todos os que afirmam que seja ele.
   - 2. A fase da afirmação - depois de um tempo e após rever alguns conceitos básicos de sanidade intelectual, ele chega a conclusão que possivelmente esteja mesmo passando dos limites da normalidade aceitável por babaquice. Chega a concordar quando é apontado como tal, mas não encontra solução para sair do posto.
   -3. Fase do arrependimento - essa fase pode não ser nunca realizada, pois dependerá de diversos fatores exteriores, um deles é o rompimento do amor. Após a emancipação do relacionamento, quando o juízo volta lentamente ao seu estado natural, há um arrependimento severo pelo antigo modo de estado.

Já entrar na igreja é ainda pior, pois você passa a viver sobre uma ótica de pessoa correta, bobos religiosos não são bobos, são muito bobos. Há nesta designação dois tipos de bobos, os bobos bons e os bobos ruins. Seguir a dica dois é sem duvidas escolher ser o bobo ruim. Pois são os insuportáveis.

Considerações da diferença de idiotice condicional e idiotice adquirida.

São felizes todos os idiotas condicionais - aqueles que nasceram com o dom da falta de esperteza - já os que sofreram metodicamente o ganho desta condição, seja por concebimento do amor ou outro meio que provoca a idiotice momentânea, esses sofrerão de dores na consciência por tempo indeterminado. Entretanto, não é impossível conseguir viver de modo feliz com a idiotice adquirida, já que isso depende unicamente se você quira ou não ser um bobo.

3. Não seja burro.
Há um engano terrível que as pessoas cometem, e já dizia Clarice Lispector - cujo faço deste texto uma homenagem e já que foi ela quem me fez aceitar minha condição de boboca. "Não confundir bobo com burro, com tolo, com fútil". Seguindo esse raciocínio, para ser um idiota feliz, largue da ignorância.

4. Não leia nenhum livro.
Pode parecer estranho para algumas pessoas, possivelmente alguns devam ter feito careta ao se deparar com a dica que discorro agora, mas afirmo que sim! Não ler é se permitir viver sem paradigmas estabelecidos por livros escritos há séculos ou milênio. De certa forma, ler é não pensar, ou pensar com a cabeça de um escritor que já pensou e escreveu aquilo que pensou para que você leia e passe a pensar igual a ele.
Principalmente para os bobos que escrevem, essa dica é fundamental. Lendo você está sujeito a reproduzir ideias já tidas, e ser tido como plagiador.
Para quem até aqui, não está convencido que ser um bobo é bem melhor que ser esperto, sugiro que leia "A arte não ler" de Schopenhauer (cujo não li)

5. Não siga nenhuma manual, conselhos ou conjunto de dicas.
Como a dica três já afirmou, não seja burro. Seguir manuais, conselhos ou dicas que demonstram como você deve viver, agir ou pensar, colocando exemplos, teorias e modos descritos neles com convicção que será melhor assim, é burrice. Idiota nenhum segue roteiro. Você já viu um idiota pegando um manual de como montar um móvel? Não. A idiotice tá na arte de criar, montar uma cama o que viria a ser uma estante. Idiota é quem vive da maneira que acha que tem que viver, sem nada que os prendam, sem base, sem linha a seguir. As maiores pessoas são idiotas, ou como você explica a orelha que o próprio Van Gogh cortou? Ou do desespero cuja Frida Kahlo raspou sua cabeça e se entregou a bebida ao saber da traição de Diego Rivera? Ou ainda de Clarice Lispector fazer um texto defendendo os bobos e que mexe ainda comigo mesmo depois de anos? Seja idiota e não tenha medo ou vergonha disso. Os espertos são do mundo, já enquanto ao mundo, esse são de todos os idiotas.

Carlos A. para Clarice Lispector (onde quer que ela esteja).

Quatro ventos 1980 - Parte I

      Num instante, fez se do esquecimento a lembrança, chegou subitamente à memória o riso dela, que ele prometeu jamais esquecer, como prometeu também não esquecer de muitas outras coisas que com o passar dos dias, vão se encravando cada vez mais debaixo do tapete da memória. Como a primeira vez que andou na roda gigante, como a quantidade de figurinhas que havia em sua coleção da copa de 90, como o cheiro do bolo de baunilha que só minha mãe sabia fazer. Mas a risada que ela tinha, ele prometeu a si mesmo, nunca esquecer. E foi assim que se deu seus últimos minutos de vida, em um hospital com estruturas precárias, e dores na consciência que de longe era a pior de todas suas dores. Ecoou em seus tímpanos a risada de sua amada, como quem vinha envolver-lhe em seus braços e guiá-lo para o caminho que deveria seguir, seu ultimo suspiro depois de tantas ofegações, foi de paz. Oscilou em sua cabeça o barulho do monitor cardíaco que apitava insolentemente e a voz aveludada que só ela tinha, cada som que seus lábios produziam era como o cantar de um querubim, imaginando que se um anjo cantasse, seria aquele som que ele produziria. Entrava pelo orifício de seus ouvidos e o preenchia cada vez mais fundo, mas logo fez da lembrança a pergunta: - Para onde vou? E repetia sem parar. Eu vou pro céu? Eu vou pro céu? Eu vou pro céu?
Como se fosse uma espécie de mantra dos desesperados.
Em vida sempre soube que o céu era a morada dos mais ''bem-aventurados'' e ele estava longe de estar entre os mais queridinhos de Deus. A duvida penetrou em seu consciente de tal forma que agora ele estava ali parado e perplexo, pesando em tudo que fez enquanto vivo. Percebeu que nada poderia fazer mediante as suas maldades. Tião do capeta, como era chamado, era o pião mais sem coração que existiu no nordeste do Ceará. Matava bezerro recém parido com agulha furando-lhe dos olhos até o coração, apenas porque gostava da maneira como o bicho se contorcia, e o grunhido que para ele era uma sinfonia acalentadora.
Sempre detestou afeto, ou melhor, quase sempre. Depois que sua mãe morreu por envenenamento, ele passou a ter o ódio como companheiro de vida. Com exceção dela, Mariana, a dona da voz mais doce que os seus ouvidos já ouviram, e de uma beleza estonteante, cabelo dourado tão delicado que voava com o vento, sem rumo, e cobria parte de seu ombro. Sua pele era clara, apesar do sol que tomava diariamente cuidando da horta, usava sempre um longo vestido que escondia seu corpo, não por vergonha, mas pelo prazer de ver o Tião a olhar e imaginar como seria debaixo daqueles panos, o vestido e ela era quase um só de tão íntimos. Seus pés desnudos beijavam o chão sem recato. Seus seios recolhidamente envergonhados pela idade, brotavam devagar e sem pressa. Seu rosto dominado por pequenas sardas faziam um desenho minucioso, quase que feito pela mão de Deus. Seu nariz tinha uma curvatura perfeita e provavelmente invejável pelas donzelas da cidade, os cílios que guarnecem a beira de suas pálpebras parecem adornar cada milimetro de seus olhos, seus olhos de quem come a alma. Olhava para tudo, parecia uma detetive de pequenos detalhes, e olhava principalmente para dentro dos olhos de Tião, que eram negros como a noite sem lua. Ela passava horas o encarando, tentando conhecer a fundo aquele pião que chamava tanto a atenção de todas as moças próximo a Fazenda Quatro Rios, onde moravam.
            Tião tinha a voz forte e potente, o rebanho todo da fazenda o atendia de imediato, unicamente por medo. Tinha o cabelo escuro, na altura da nuca, que sem precisar usar pasta ou gel apresentava um penteado quase que impecável. Sua pele era avermelhada bronzeada pelo sol. Era robusto, vigoroso, mostrava seus músculos sem pudor em camisas de mangas cortadas, camisetas xadrez com botões abertos ou na maioria das vezes descamisado, não porque fizesse calor, mas queria mesmo que Mariana o olhasse e o desejasse. Seu peitoral carregava o fruto de anos de trabalho árduo, fortificado, petrificado. Sua feição era sadia, entretanto aparentava-se sempre exasperado, como se carregasse o sangue de algum animal peçonhento em suas veias. Seu nariz era adunco, voltado para seu cavanhaque. Sua sobrancelha era grossa e mais baixa que o normal, um pouco a cima de seus olhos. Seus olhos escuros como a noite sem lua. Olhar intruso que parecia querer muito mais que apenas observar. Pegava-se olhando entre uma atividade e outra na Fazenda Quatro Rios para Mariana.
Tião era filho único de Maria das Graças e de Benedito Moura. Seu pai morreu no dia que nasceu por um ataque fulminante depois de uma briga com Estevão, e sua mãe à duas semanas misteriosamente, fato que o tornara agora o mais antigo empregado de Estevão. Estevão pai de Mariana e de Cesar. Mariana por sua vez filha mais nova, dezessete anos, Cesar trinta e três, um ano mais novo que Tião.

O velho do blog - Parte I

   Debaixo da tevê. Está lá pulsando ondas magnéticas o papel com anotações em garranchos, a senha de seu blog. Ele por sua vez está procurando-o freneticamente pelos quatro cantos de sua enorme sala. Guarda debaixo dos móveis, papeis que julga importantes. Precisa escrever o mais rápido possível para livrar-se daquela angustia. Contrariamentos causam-lhe sarnas. Então enquanto busca, coça-se em ato desesperador. Depois de verificar embaixo de tudo que está posto em sua sala, achar tantas outras anotações que eram essências passadas da validade, e provocar em seu pescoço e braços escoriações nervosas. Encontra o maldito papel. Embaixo da tevê.

   Abre seu MacBook, senta-se no sofá e coloca sobre suas. Parece estar confortável mas está muito nervoso. Pensou em não começar com esse jogo, mas quer saber até onde isso vai dar-se. Digita sua senha pessoal que dá acesso a todo seu conteúdo no sistema. Abre o navegador, escreve seu endereço de seu site pessoal. Faz login com as informações recém encontradas, arrasta o cursor lentamente até "Escrever novo conteúdo". Não escreve nada, fica ali pensativo, encarando a tela de 11 polegadas, sem saber como vai apresentar para seus poucos leitores o que lhe havia acontecido durante o dia. Percebe que está na hora do seu remédio de hipertensão, corre na cozinha, ingere seus comprimidos e volta para o notebook, tendo assim o tempo inteiro sem interrupções para explanar o ocorrido.

"Poderia não escrever aqui, mas posso, e quero. Preciso compartilhar com alguém isso, e logo agora que consegui voltar a escrever nesse blog que meu sobrinho fez para me distrair. Que ainda relutei por achar que falar sobre doenças, escrever meus poemas de merda e reclamar sobre a vida, seria a maior pedra jogada em cima de mim para eu afundar ainda mais nesse poço que beira a baixa estima, ou seria alto baixa estima? Que seja, o que convém aqui é um ensaio do meu monólogo, já que eu escrevo para ninguém e cada vez menos tenho visualizações nessa porra. Vou então por fim nessa verborragia.

Acordei hoje de manhã com o despertador berrando às 5:15 me obrigando a abrir os olhos. Detesto acordar cedo, sempre detestei despertadores. Principalmente por causa do nome, desperta-dor o que me soa de uma puta ironia descarada, porque desperta-me do sono, e o único instante em que não sinto nenhuma condolência é quando me permito dormir.

Ao acordar o mais cedo que posso e com o despertador, já desperto irado, o que preenche boa parte do meu nível de estresse diário, e o que garante que dificilmente não irei sair do sério durante o dia, ora por já estar no limite, ora por já não me importar mais com nada. Abri meus olhos como de costume, olhei para o teto branco e mofado por alguns segundos enquanto cantava o mantra diário "Om Namah Shivaya, Om Namah Shivaya, Om Na..." até que meu pensamento foi interrompido por um barulho estrondoso e estranho na sala.

Fazendo uma conta rápida, levo exatos 8 segundos para levantar-me, sendo dois para pegar a bengala que uso desde o ano retrasado (2), quatro para conseguir levantar-me, primeiramente apoiando minha força no braço direito já com a bengala posicionada e com o esquerdo dando um pequeno impulso na borda do colchão, sempre com muito sucumbimento(2+4=6), e dois para respirar profundamente desse ato vitorioso(2+4+2=8). O que está fora de cogitação respirar nesse momento(2+4+2-2=6), o que me resta a ter 6 segundos. Cujo não usei mais que 4 para fazer tudo sem esforços.

Sem mantra, sem bengala, sem respiração de ato vitorioso. Com labirintite atacando, náuseas, ânsia de chão firme, remédio atrasado, medo, vista escurecendo, queda, reticências.

                                                                                ...
O despertador fez seu trabalho mais uma vez - como não desliguei antes de levantar ele acionou o modo soneca que desperta de duas em duas horas em dias que resolvo vegetar- me acordando de um novo ciclo de sono. Atordoado resolvo levantar-me com calma, acreditando na hipótese que se fosse algo sério eu já estaria na fila do túnel da morte. Levanto com o dobro de tempo necessário antes já descrito (4+8+4=16), e calmamente vou verificar o que aconteceu na sala.

Aparentemente tudo intacto, sem nenhum indício de roubo, janelas fechadas, porta trancada, nada bagunçado. Percebo que há uma pequena caixa em cima do televisor com uma fita vermelha envolvendo-o, resolvo averiguar e vejo que está destinado a mim, Rua Largo das flores - Condomínio Alfa - Numero 312 - bloco C - próximo a Praça Dom Casmurro e com minhas iniciar C.A. comumente usado aqui neste blog.

Balanço o caixote com minhas mãos trêmulas e ouço algo agitando em seu interior. Resolvo deixa-la em cima da mesa quando faço o caminho de volta para meu quarto. O leitor do meu relógio digital mostra 7:30 e ainda não caminhei pela orla, calço meus tênis, visto meu moletom e minha calça de caminhada, pego meu iPhone e saio para minha atividade diária com atraso por conta do inconveniente acontecimento que não tiro da cabeça.

                                                                         -

Resolvo falar com o porteiro do condomínio:

- Bom dia Luís, você poderia me informar se hoje alguma pessoa suspeita entre 5h às 5h e 15m estava a minha procura ou se adentrou com seu consenso que possivelmente tenha se dirigido ao bloco C? - Acho que fui direto demais, cordial demais, cacofônico demais. Deveria ter preparado o terreno, ele é jovem e não entenderá os subentendidos da linguagem de um senhor como eu, que quer apenas saber se algum ladrão, ou filho de uma puta adentrou na minha casa.
- Bom dia Sr. nenhuma pessoa fora do habitual, peguei no "trampo" hoje até mais cedo e ninguém pediu pra entrar não senhor!
Logo concluo que foram apenas o leiteiro Paulo, o padeiro Marcelo, o carteiro Rodrigo.
Agradeço fazendo um gesto com a cabeça, colocando o fone de ouvido e começando minha corrida diária.

A pior coisa que ter de servir o exército, foi acordar cedo para alistar-me. Lembro com riqueza de detalhes, no ano em que completei 18 anos, 50 anos atrás, em 1964, ano do caos militar.

Eu raquítico, vulnerável às doenças mundanas, acreditando que se contraísse tuberculose, poderia rapidamente morrer, semelhante aos escritores que tanto admirava. Me dirigi a Base Militar, depois do banho frio da madrugada, amaldiçoando tudo que via ao meu caminho. Não que estivesse com raiva, mas porque não concordava com esse sistema novo de "pseudo patriotismo", a ideia de ser obrigado a fazer algo sempre me deu nos nervos, tenho alergia a isso. Quando chego ao destino, os portões estão fechados e deparo com 4 pessoas fora. Ficamos então esperando algum parecer sobre aquilo, alguma resposta. Já éramos em cerca de 23 quando veio um senhor prepotente, flamejante em andar em direção a nós. Abriu os portões e mandou-nos fazer uma fila indiana, respeitei com nevralgias intensas. O modo dele falar empolavam-me a pele. Seu ar de superioridade, ignorante de jurisprudências. O que se falar sobre jurisprudência estando em 64?

Deixou-nos separados dos demais, em destaques, organizou-nos para que ficássemos de frente para todos, que deviam ter madrugado ali.

Inopinadamente berrou pedindo atenção:- Prestem atenção, quero mostrar a vocês, futuros senhores. Que cumprem com seus compromissos como homem - salientou a voz em um tom rouco diferente do resto da frase quando pronunciou "homem"- que pretendem ter uma vida correta. Não sigam o exemplo de incompetência desses vermes, que não respeitam o horário, não respeitam a pátria, nem respeitam o sistema. Esses são os 23 exemplos claros do que vocês não devem ser. Enquanto a vocês - voltando seu olhar irado a nós, eu posicionado em quinto da fila, exatamente em sua frente, seu dólmã diferente do fardamento dos demais, mostrava o caráter que tinha, estava em frente ao dono dos porcos - deveriam provar, como castigo da nova república. Vocês são um bando de merda, nada mais que um bando de merda, que deveria ser juntadas e jogadas no sanitário e dar-se a descarga. Além de tudo ainda são uns covardes. Covardes de merda.
Subiu sobre mim a fúria anunciada, mordi minha língua e soutei uma bufada que achei que não seria audível.
- huumf
Ele localizado em minha frente desceu seu olhar a mim, diretamente a mim agora, olhando-me de cima para baixo por ser mais alto que eu.
- Vejo que aqui tem um tipo de merda diferente, corajoso moleque, mas aqui não é um lugar para pessoas que desafiam. Onde você acha que está? Você sabe do que eu sou capaz?
Quando ouvi esse raciocínio tolo, não pensei em outra coisa se não citar "Poema em Linha Reta" de Fernando Pessoa.

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


Ouviu minha eloquência recitada do início ao fim, sem hesitar interromper, o que me inflava ainda mais o ego e o medo.
- Fernando Pessoa, conhece? - Indaguei quando encerrei, ainda olhando em seus olhos em um tom trêmulo
- Parabéns moleque, és bastante corajoso. Pegou com força meu braço olhando para todos e disse:
- Este garoto é corajoso, tem talento. Olhem bem para ele. A maior bosta de todas!
Fizeram do silêncio o riso, olhei rapidamente para os moleques que estavam fustigados pela êxtase do riso incontrolável. Bando de ignorantes, pensei comigo.

Durante meus primeiros pensamentos de formação de caráter, minha querida mãe sempre me auxiliou no que diz respeito a escolha de personalidade. Primeiro me apresentava-me a situação, depois mostrava as consequências que poderiam acarretar de minha opção, na maioria das vezes duas. Com raras exceções quando havia apenas uma consequência, que diretamente estava em sua vez sempre ligada a dogmas religiosos, que não passara para mim, mas que sentia uma forte influencias em muitas de minhas escolhas. Minha mãe, um exemplo de boa conduta, que carregava consigo um estilo de sincretismo religioso. Em um braço um patuá, em outro um terço e no pescoço um japamala. Permitiu deixar eu escolher minha religião, escolhi ser poeta, ela sorriu em aprovação. Corriqueiramente aconselhava-me sabiamente a nunca desejar o mal para o próximo, pois voltaria em uma carga superior à mim.

Lembrei da frase de minha mãe quando me encontrei naquela situação, quase como ouvindo ela falar em meu inconsciente. Não pensei duas vezes e roguei-lhes a praga da morte! Ora, não se dá para morrer mais de uma vez, e se retrocedesse a mim, estaria no lucro pela morte de todos.

O militar chefe pediu para que eu ficasse ao seu lado e obedeci.

- Vamos dar início ao alistamento militar de 1964, todos me sigam em fila.

Senti o sangue subir para a minha cabeça como se estivesse a horas de cabeça para baixo. Levou-nos para uma sala grande, mas que não comportaria a todos, tinha muitas carteiras como em uma escola, mas muitos ficariam de pé, e fora da sala. Ordenou que preenchêssemos uma questionário com nossas informações distribuindo canetas.
- Ao terminarem de preencher, permaneçam com elas em suas carteiras que irei recolher por ordem de chegada. Enquanto a você - voltou-se a atenção a mim - me entregue imediatamente.
- Sim senhor capitão! Respondi em tom debochado levantando minha mão direita à cabeça, como uma criança rebelde que mostra cinicamente sua ironia.
Saiu da sala, eu fiquei lá em pé, em frente à todos. Completei meu cadastro, e por coincidência ele entrou na sala. Ele era do sul do país pelo sotaque gaúcho, possivelmente de origem alemã.
- Terminaram? Perguntou com um grito que fez a sua veia jugular saltar.
- Sim. Respondeu um coro tímido e decrescente.
Mandou um soldado recolher as folhas e aguardar sua orientação.
Tomou minha folha, e carregou-me pelo braço até uma sala ao lado e trancou a porta.
Levantando minha cabeça com uma só mão, empurrou-me contra a porta e escarrou na minha cara. Com a outra tirou um cigarro e um esqueiro prata de sua calça, acendeu o cigarro. Baixou a cabeça olhando para o papel.
- Então quer dizer que o desaforado se chama Caleb? Hahaha - Soutou uma gargalhada de deboche.
 - É isso mesmo? Por que teu pai ti deste este nome guri? Conhecia os ensinamentos bíblicos e homenageou-o com a coragem do hebreu ou apenas queria reafirmar sua insignificância usando um sinônimo hebraico para a palavra cachorro?
Pensei em uma resposta a altura, mas nada me parecia ser bom o suficiente quanto um soco no estômago. E foi isso que eu fiz, pensei que se pensasse mais um pouco acabaria "sofrendo enxovalhos calado" e "quando a hora do soco surgiu" não me agachei, aproveitei bem a sua possibilidade. Mas é claro, um jovem fraco de forças e inexperiente em questões de brigas. Que não faz nada além de estudar, por acreditar que seria um grande escritor no futuro passaria vergonha. Não fiz nada além de provocar nele a ira de um tenente covarde, que estava sendo totalmente apoiado em quaisquer atitudes tomadas pela nova Revolução de 1964. Silencio, silencio, tudo é silencio. Parvo é quem quebra-o sem ter a certeza do que falar. A quebra do silêncio pode fazer de um aparente sábio em um tolo em poucos segundos. Com medo de ser tonto, fui.
"Mais vale um herói vivo que um herói morto", ecoou em minha cabeça mais um conselho de minha mãe. Mas pensando nela agora, percebo que todo herói morto soube do risco que tinha. De todas as maneiras de falecer heroicamente, não gostaria que fosse com tanta submissão como a que eu me encontrava. Em uma sala trancada, de um quartel milenar, com a cara que escorria excreção de um asqueroso e sendo enforcado contra a porta.
Toda ação resulta em uma reação, e o que resultou da minha foi um descontrole inenarrável aqui do tenente. Arrancou-me as vestes, me trouxe para o meio da sala e me examinou. Ele sabia do poder que tinha, e o que viesse a fazer comigo, não seria ele em hipótese alguma desguarnecido pelo estado - o que anos depois apropriando dessa filosofia fascista recém instalada, deu-se uma onda de torturas e massacres em todo o país.
- Está desprotegido gurí. Estás como Deus te colocaste no mundo. Agora eu sou o teu deus. Pois tenho controle sobre teu futuro. Te mato ou te deixo vivo? Isso só eu responderei! E eu adoro brincar de ser deus.
- Por tudo que é mais sagrado senhor, não me mates. Se tu eres meu deus, te clamo para que me deixes viver. Prometo servir-lhe e ainda mais, servir a pátria! - Quando se está assim, tão próximo da morte. Quando é possível sentir o calafrio da possível hora da partida emanar de cada poro do corpo, demonstrará o tipo de herói que destinou a seres. O covarde que permanece astuto ou o mártir que será vangloriado em folhas de livros de História.
Aquelas palavras heréticas proferidas pela minha covardia, que relutei em permanecer em silêncio. Por sorte não me renderam um feriado com homenagem própria. Logo que, não poderia definhar-me da maneira que estava, nu.
- Estranhamente estou de bom humor hoje. O Grêmio venceu ontem Inter de 3x1.
O tom sarcástico proliferou-se na pequena sala. Como diria o celebre poeta e escritor argentino Jorge Luis Borges "El futbol es universal porque la estupidez es universal"
Assim como em um jogo de xadrez, ele estudou-me e e descobriu meu ponto fraco. Conseguiu a proeza de um xeque-mate, venceu a partida sem chances de movimentos para minha rainha e perdi vergonhosamente. Minha mãe se me visse ali, orgulharia-se de mim, não por outra coisa, mas simplesmente por me ver ser o herói que sobreviveu, mesmo que fedendo a pânico.

Minha maior fraqueza é ser desnudado, ser visto decomposto de armadura. Durante muitos anos meu maior pesadelo referenciava a isso. (Passava-se em uma antiga escola que estudava, andava em curtos passos durante o recreio, quando de repente um moleque tirava-me a roupa. Rapidamente todas as crianças ali faziam uma roda em torno de mim e me ridicularizavam). Sempre acordava muito nervoso.
Logo nas primeiras palavras da bíblia, que li quando criança, não pude entender a metáfora da concepção imediata da vergonha de estar nu a partir da mordida do fruto proibido. Essa desobediência perante ao seu criador da criatura, acarretou, para todas as futuras gerações - inclusive para esta que vos escrevem, quanto para as que ainda estão para nascer - esse sentimento de timidez quando se está ao natural quando observado pelo outro. Por qual motivo foram castigados com o pudor? Por que não apenas os expulsaram? Poderia agora poupá-los da paranoia que desenvolvi acanhando-me quando sem roupas.
Ora pois, se Ulisses quando se viu pelado e sujo de lama na foz do rio, quando despertou de sua volta para casa em Ítaca, recorreu prontamente a um galho próximo a si quando ouviu a voz da princesa Nausícaa e suas criadas, devo não estar só neste largo mundo.
Obviamente não queria carregar essa condição, queria mostrar-me, queria ter a inibição de Lennon e Yoko. Queria que Freud me encaixasse no desejos infantil de exibicionismo, queria não ter desencadeado a paranoia por uma possível repreensão na fase fálica.

- Fique aqui vou chamar os futuros soldados.

Saiu da sala e levando consigo minhas roupas, e eu fiquei lá, parado, com uma mão cobrindo meu pênis flácido e outra minha bunda.

Cerca de 5 minutos ele entra com um grupo de 8 garotos.

- Fiquem todos uns ao lado dos outros - puxou-me para o seu lado direito mostrando o que eu escondia - tirem suas calças e cuecas até a altura do joelho, coloquem a mão direita fechada em frente a boca e soprem com força. Quando todos fizeram o que o tenente orientou, ele analisou os sacos dos que estavam a sua frente, exame de hidrocele.
- Vistam suas roupas e peçam que o outro grupo venham!

Achei que poderia ir também, tentei pegar minhas roupas que estavam com o tenente e ele recuou dizendo que eu iria ficar até todo o exame médico terminar. Comecei a me coçar de novo.

Mais um grupo de 8 garotos entram.

- Fiquem todos uns ao lado dos outros, tirem suas calças e cuecas até a altura do joelho, coloquem a mão direita fechada em frente a boca e soprem com força. - analisou - Vistam suas roupas e peçam que o outro grupo venham!

E fiquei ali tímido, humilhado, almocreve de paranoias freudianas por estar pelado e com esfoladuras nos antebraços e pescoço por estar sendo contrariado. Não imagino o tempo que fiquei em pé, e de quanto eu desejei estar em casa e ele desconsiderasse o meu pedido precipitado libertador de servir ao exército. Quando a tortura acabou, e estávamos sozinhos, ele jogou minha roupa no chão. Vesti tão rápido quanto um recém pai ao descobrir durante a madrugada que a bolsa de sua mulher acabara de romper.

- Você não precisa fazer os demais testes, apenas dirija-se a sala ao lado e deixe suas medidas, você acaba de fazer parte do pelotão do exército de 1964. Parabéns soldado Caleb Alencar, retorne no dia e horário indicado pelo soldado Messias.

Desconcertado encaminhei-me para o local indicado realizando as medidas e preenchendo um documento, em seguida recebi um papel do soldado que creio que seja o Messias.

Em casa, tomo o banho e como algo da geladeira. Durmo tanto que esqueço das horas.

                                                                        -

Durante a minha caminhada, pensei nesse acontecimento, resolvi transcrever aqui, pois estou me sentindo do mesmo modo. Fui invadido, e o pior, por alguém que não faço ideia de quem seja. Mas tenho como suspeitos o leiteiro Paulo, o padeiro Marcelo e o carteiro Rodrigo. Claro! Provavelmente foi um deles. Mas ainda não sei o que tem na caixa, e não posso jugar nenhum deles até que tenha certeza do que se trata.

"Ora, quem diria que o Sr. Caleb Alencar seria tão vulnerável, achei que seria mais difícil adentrar em seu terreno e plantar essa pequena pedra em seu caminho. Pois já que plantei saibas que trará a ti bons frutos, e a mim, gargalhadas sinceras. O jogo é simples! Eu controlo o que você posta no seu blog agora. Estou cansado de ler as mesmas baboseiras de senso comum, meio blasé meio ordinário, e esperar longos intervalos de tempo entre uma postagem e outra, sei que o C.A. é bem maior do que aparenta ser. Espere as instruções nas próximas correspondências, e bem vindo ao jogo!"

Que merda é essa que acabei de ler? Como uma pessoa invade meu lar, se atreve a me chantagear desta maneira e acima de tudo fala que o que eu escrevo é ordinário? Mas ele não sabe com se meteu, você acessa meu blog não é mesmo seu ignóbil, pois saiba que não tenho a minima intenção em participar desse seu jogo estúpido. O blog é meu e posto nele o que quero, apesar de saber que ninguém lê, tenho a liberdade de colocar o texto que me convêm a hora que achar necessário. E entenda você, que não gosto nenhum pouco de suspenses, tanto que antes de ler qualquer livro ou ver qualquer filme, vejo primeiro o fim, para quebrar possíveis expectativas. Não quero participar de nenhum jogo, não tenho idade, não estou disponível para experiencias, e cabe aqui um Foda-se com f maiúsculo!

Contorcendo-se de ira, arrasta o cursor até "publicar" no fim da página em laranja, mas não posta, fica a pensar em tudo que escreveu. Leva as mãos a cabeça, inspira fundo e solta tudo como se fosse um cavalo a relinchar. Solta um palavrão e ri de tudo.

- Como pude ser tão burro? Sherlock Holmes me socaria o estômago neste momento. Como posso publicar o nome de meus suspeitos sabendo que um deles acessa meu blog? Tudo bem que eu renunciei em continuar com isso, mas se não prosseguir, como saberei quem é, e principalmente, o que quer de mim? Perderei noites de sono se simplesmente negar. -pega o mouse e arrasta o cursor até "Salvar em rascunhos" dá um click, volta-se para "Escrever novo conteúdo", digita a mensagem, "Seja você quem for, que o jogo comece!", e então publica. Baixa a tela de seu Macbook e dirige-se ao quarto.

Uma mistura de pensamentos rondam-lhe, seria ele capaz de escrever um livro inteiro em poucos minutos, contendo apenas frases filosóficas estruturadas no que ele sente agora, se alguém lhe perguntasse neste momento o que ele sente, não saberia explicar, mas sente, e sente muito. Até pensou em levantar, pegar uma caneta e um caderno e exportar tudo o que tá lhe tirando o sono, seriam pérolas usadas em discursos de posse, prefácios de monografias de futuros renomados médicos... mas não quer levantar, está exausto, e sabe que ao acordar de manhã não lembrará mais de nenhum inside, então, consegue dormir.

                                                                             ... 

Relógio desperta mais um dia, 5:15 e hora de caminhar, levanta fazendo os mesmos esforços matinais e com o mesmo tempo de sempre, tão previsível, tão monótono, tão medíocre. Abro uma licença poética para parafrasear Carlos Drummond de Andrade, que ao ver a mesmice dos hábitos repetitivos não hesitaria em exclamar alto e em bom som "Eta vida besta, meu Deus". Caleb prepara seu café e senta com a xícara na mão quando vê uma carta próximo a porta, desta vez o grande mestre não quis entrar? Pensou enquanto levantava e caminhava em direção a carta, desta vez não fez suspense, não se sentiu invadido, e não temeu, deu um grande gole, e abriu o envelope.

Rodrigo e os Incos - Parte I

  Sentado aqui nesse quarto sem vida, onde o que me alimenta é a pequena fresta da janela, e as sobras dos restos de comida, que vem me deixar Maria às noites de quinta. Maria é minha babá, ou foi um dia, que por piedade de me ver assim, continua a me alimenta de comida e de tinta.
  Meu nome é Rodrigo e resolvi me isolar, Deus sabe porque, e talvez você também saiba.
Sou pintor, poeta e para os que gostam de falar dos outros, louco também. Apesar de não achar que a loucura seja assim tão ruim, louco é quem perde tempo. Eu não perco!
  A princípio, Maria veio ontem me deixar uma caixa grande, dentro havia um recipiente com comida que devo economizar para a semana toda, algumas cores de tinta que já havia acabado, e um caderno, cujo mais me agradou. Sua capa era a gravura de um gato preto, não sei quantas folhas tem, não sei qual sua marca, nem sei se é um caderno mesmo, ainda não tive coragem de abri-lo. Os olhos do felino são horrendos, e o miado dele é de quem está com fome, temo que ele coma minha comida. Posso ouvi-lo mesmo tendo fechado a caixa e posto em cima uma tela ainda inacabada. Acho que devo estar delirando, minha mãe disse que tenho um sério problema, deve ser insônia. Preciso dormir.
                                                                                   -
  Ela sempre dizia que tenho um problema, manias, muitas manias. Acabei de retroceder 24 horas no relógio quando acordei a pouco. Todas as tardes faço isso, quase que por impulso. Uma rotina baseada em acordar 14:00, levantar, pegar o despertador atrasar em 1 dia, sentar e começar a escrever nessa máquina velha, onde todas as quintas Maria vem e recolhe todas os escritos. Maria é minha tia e irmã de minha mãe, que esqueci seu nome de tanto tempo que não a vejo.
O meu terapeuta Gabriel me aconselhou que escrevesse sobre mim, e não criar estórias, enfatizando o "E" acompanhado dos dedos indicadores e médios unidos das duas mãos descendo e subindo lentamente até o fim da palavra, ele é um bom terapeuta, me visita sempre que pode. Então Maria em uma dessas quintas trouxe-me essa máquina que era de meu pai, o ocupado Sr. Gabriel.
Uma de muitas manias adquirida com o tempo foi a do esquecimento, fui contemplado por Deus por não lembrar de muitas coisas. Pois a mim são largas as possibilidades imaginárias de como vim parar aqui, de quem sou filho, de quem sou pai, de quem acredito. Isso é de uma poesia particular e única que admiro em mim e que não desprende de minha pele. Levo uma boa vida assim.
Para meus leitores que são exigente de detalhes minuciosos, aviso-lhes que irei discorrer longas falacias quando desnecessário, e quando em situações de suma importância para a certeza de um pensamento, irei faltar de tais detalhes essenciais. Infelizmente as coisas se confundem em minha cabeça, e não quero fantasiar nada aqui. O meu tempo é diferente do tempo dos incos - nomeei assim os sem criatividades mentais, julgadores, e os que não acompanham meu pensamento - preciso de vossa compreensão, irei assim aos poucos desvendar-me, me mostrarei sem pressa, e espero me conhecer simultaneamente com você que não sabe quem eu sou. Se você está lendo isto, então isto é para você, e se discordar, de nada adianta, pois eu escrevo para todos aqueles que leem, e se você começou, então eu estou escrevendo unicamente para você. Tome então conhecimento de que eu não quero que continue, mas se ainda insistir, a culpa é totalmente sua.
Arrisco ainda esbravejar um grito inerte, daqueles que só se ouve quem tem ouvido atento, apurado, quase que treinado para tais ocasiões. Um grito que não tem pretensão de se fazer audível, tampouco tem premências catastróficas. Categorizaria-o como grunhido se um dia for necessário, pois sou porco, sou vil, ignóbil, asqueroso, não digno de pena dos mais sensíveis, muito menos digno de retalhamento dos menos calmos, mas digno de compreensão sobrenatural. Permita-me então contar minha história torta em alguns momentos, mas o tempo inteiro reta perante as minhas ideologias, que como já deveras ter percebido são de muita imaginação.
Tenho tido corriqueiramente um sonho estranho, onde eu era o sol e iluminava todos os incos do mundo, era o deus sol. Ajoelhavam-se para mim, no sonho, e me clamavam por luz. Sou um ser iluminado e eles não são, pois vivem para achar respostas para tudo, buscando conhecimento, dinheiro. Não percebem porém que a verdadeira luz é proveniente da ignorância e da imaginação. Um dia eles deixarão de ser incos quando perceber que a verdade absoluta não passa de uma utopia do mundo são.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Antônio, Diana e o Médico

Estava demasiadamente frio, quando o telefone desperta, era a hora de Diana ir ao trabalho. Haviam dormido tarde aquele dia depois de comerem exacerbadamente duas pizzas sozinhos. Com os olhos preguiçosos e semi cerrados, aponta ele a visão para ela logo a sua frente que já estava desperta, na mesma cama, no mesmo quarto. Solta a frase de apelo com a voz matinalmente rouca: "Não vá trabalhar hoje, Diana!" - em um falsete decrescente quase inaudível nas ultimas silabas.
Delicadamente, ela vira-se de frente para ele, recolhe o lençol caído de seus ombros, e lhe beija a testa. Não pôde refutar a atitude dela em desobedecer a sua súplica, estava exausto demais e cada parte de seu corpo parecia ter vida própria, e como imãs puxavam-os novamente em direção ao sono. Parecia que não repousava há séculos! Deixou ele então ser levado pela correnteza de seu cansaço físico, permitindo então continuar ali, a vegetar em meio à sombra da cortina fechada.
                                                                             ...
Acordou - não sei informar com precisão quanto tempo depois - avulso. Olha para o lado dela na cama enquanto passeava a mão na colcha onde ela estava, como não pôde convencer ela a ficar? Lastimou ainda alguns segundos, quando resolveu levantar. Ela poderia estar preparando-lhe um café como fazia no início do namoro - pensou enquanto vestia o seu short rapidamente. Saiu do quarto cambaleando com dificuldades. Sua pulsação aumentou significativamente, o ar ficou rarefeito, suas pupilas dilataram-se em contato com a claridade repentina, o que causou-lhe uma cegueira temporária, suas pernas sucumbiam de desespero e ânsia pelo chão firme. Sentiu descer sobre sua testa recém beijada um suor frio que caia lentamente aproveitando cada área de sua pele. Encontrou-se desolado, atirou seu corpo ao chão como uma criança clamadora de justiça, desatinou. Resolveu sentar no sofá, o que lhe causou uma tristeza de pardal impossível, dos seus olhos desabaram chuvas de março, afogou-se.
 - Como não pude dizer que a amava antes que ela fosse?
Aquele sentimento cravado que vai perfurando a alma, insultando a calma e solavanco buracos.
Pega o celular e resolve ligar.
 - Sua chamada está sendo encaminhada para a caixa de mens... Desligou - merda!
                                                                                     ...
Esse é Antônio, tem esse nome porque nasceu com o cordão umbilical laçado três voltas em seu pescoço. Pela tradição nordestina a mãe o batizou com o nome que carrega, por medo de uma lenda que diz que crianças nascidas desse modo, tem o seu futuro marcado com a morte certa na água ou no fogo. (Se soubesse ela que morrer de amor é tão pior quanto alguns segundos sem respirar embaixo d'água ou ter o corpo carbonizado no fogo, teria colocado o nome dele de Samuel). Como não queria que a maldição lendária regional caísse sobre seu filho - pelo cansaço do parto ou pelo esquecimento do tempo - confundiu o nome dos santos e pediu a bênção de São Cipriano, batizando no ato, seu filho, pela testemunha da parteira, de Antônio Cipriano.
Talvez pela pressa em sair daquele local claustrofóbico e úmido que ansiava por meses pelo seu próprio parto, talvez pela ideia ilusória mal desenvolvida do feto que o mundo não seria para ele, sem querer, e por discrepância do destino, não imaginava que por ter dado 3 voltas no útero antes de sair, seu futuro seria marcado pelo nome que lhe foi concebido. Sua mãe porém morreu pouco depois de dar a luz, entregou-lhe então antes de falecer, seu primeiro e único filho a parteira e madrinha, juntamente com um terço da medalha milagrosa, alguns centavos e um beijo na testa.
Antônio então desenvolveu uma espécie de clarevidência, conseguia entender sem esforço o que se passava ao seu redor - Freud talvez explicasse, mas não é Freud, então atribuía a uma espécie de presente do divino, cujo usava muito bem. Levou sua vida assim, aproveitando-se de seu dom, sempre para favorecer a si mesmo, mas nunca usando contra os outros. Cresceu rápido e forte, Antônio era um garoto "perspicaz" aos olhos de quem não o conhecia bem.
Toda história, estória ou o que quer que seja, sempre existe no herói - ou no vilão - um ponto fraco, uma kryptonita, uma necessidade de manter a calma...e com Antônio, não poderia ser diferente.
Conheceu Diana no ensino médio, a única pessoa cujo não conseguia decifrar. Não entendia como acontecia, ela era emblemática, difícil de se adentrar. Sem razão e nunca sem razão, se apaixonou por ela. Porque no fundo é assim, a paixão vem e a razão evapora para fora da possibilidade de visão.
Deve-se ser um guerreiro para decifrar as peculiaridades do amor, tão misterioso. Amor é sorte lançada, como na espada Excalibur que o rei Arthur conseguiu arrancar da pedra, o amor é a Excalibur.
Terminaram o ensino médio juntos e casaram. Quando se tratava de Diana, sua anormalidade sensitiva ficava desconexa.
                                                                            ...
                                                       Continuando à premissa inicial
                                                                            ...
Pensou em várias possibilidades do que poderia acontecer naquele dia. Por ele estar sentindo um vazio enorme, e uma necessidade dela, concluiu assim, em uma teoria mais plausível que ele a perderia.
Diana, que entrou tão recentemente em seu emprego como recepcionista no hospital, trabalhava oito horas por dia e em dias estafantes de trabalho sobre-humano. Que estava cansada da monotonia de imaginar seu futuro, ora incerto, ora certo, ora certo, ora repentinamente incerto. Ficava ela, oito horas por dia fingindo um sorriso que não era dela e aceitando afrontas de pacientes e calada. Com pausa de meia hora para um almoço ruim e sem gosto.
Até que assim, de repente, nada mais que de repente, sem razão e nunca sem razão nenhuma, se apaixona por um médico que a cumprimentou no balcão - sorte de Diana que Antônio pensa no mais sórdidos de seus pensamentos, que ela vai morrer.
Voltou ela da labuta cansada, sempre cansada. Cansada para carinhos, cansada para filmes, cansada para pizzas de madrugada. Ele voltou também, mas voltou atrás na forma como agia, passou a amá-la como se estivesse em seus braços pela ultima veze - o que não seria falso se fossemos olhar sobre uma analogia diferente.
Pobre Antônio, no alto de sua ingenuidade ou burrice não percebe que quando uma mulher está gostando de outro, a primeira coisa que ela faz é ficar cansada para o sexo? Não precisa ter o QI de um Einstein para entender tal fato, é quase que genético oriundo da evolução do macaco tal percepção.
E quem diria Antônio, achando que Diana havia de ter pego uma doença no hospital e que seria por esse motivo tal morte - o que não seria falso se fossemos olhar sobre uma analogia diferente.
Ela evitou, claro que evitou, mas só duas vezes. Na terceira vez que o viu não hesitou em pedir seu numero de telefone e sorrir, depois de alguns dias no hospital, pela primeira vez por alguns segundos, o sorriso que era dela.
(A partir de agora, Diana morre, mas ela ainda não sabe. Em meados do mês de agosto de um ano que prefere não dizer, mas ele lembra bem).
Ela doente apaixonada pelo médico, e ele doente achando que ela estava apenas doente. E achando também, que iria a perder por essa doença. Antônio está tão próximo de desvendar o mistério - está quente, agora está muito quente, agora você está na boca do inferno.
 - Antônio, puxe a espada da pedra!
Acho que ele não me ouviu, está ocupado demais com medo de perdê-la.
Espera ele rezando para que o ônibus não vire, para que não faça nenhum movimento brusco se caso fosse assaltada, ou que sua doença não se degenere e se torne algo pior. A doença já "se degenerou", só falta o momento do "algo pior".
 Graças a Deus, Krishna, Buda, Alá, Diana chegou. Não morreu ... ainda.
Eles se abraçam, mas ela está cansada demais para continuar a fraternidade do encontro. Deita na cama.
 - Estou morta!
Antônio fecha os olhos e fala baixinho: "Perdoa Deus, ela não sabe o que diz" - perdoa Deus ele também não sabe!
 - Hora de relaxar um pouco, deixa eu tirar seus sapatos, deixa eu tirar essa blusa apertada, esse sutiãn...
CORTE LACANIANO. Adivinhem? Sim, ela está cansada demais; meus pêsames caro Antônio, você não é ancestral de um primata.
Sua mulher está doentia, deve procurar um médico. Deve mesmo procurar um médico? Vou me abster de comentar qualquer coisa, Antônio não sabe e poderia ficar chateado por eu ainda não lhe ter contado, e como grande amigo que sou, não deveria explanar sua vida assim. Mas vocês são testemunhas que tentei evitar...
                                                                                ...
                                                      Pausa dramática sem intuito aparente
                                                                                ...
Por que ela dorme tanto? Ele fica olhando de cinco em cinco minutos se ela respira. Acordou ela uma vez assustado, quando viu que ela estava viva, para disfarçar, disse que a amava.
Depois dessa, voltemos a dormir.
(...)
Quando uma pessoa dorme, só há duas alternativas para explicar a procura do processo. Ou está querendo relaxar, ou está querendo fugir da realidade. Preciso usar o Chico Buarque para elucidar melhor a situação "Ouça um bom conselho, que eu lhe dou de graça, inútil dormir que a dor não passa". Já estão dormindo, não ouviram, ele pra relaxar, ela tentando fugir.
                                                                                ...
                                                      Pausa dramática com intuito aparente
                                                                                ...
Já fazem cinco dias que ELE morreu para ela (houve um erro de interpretação, se nós fossemos Antônio e tivéssemos sua mediunidade, já teríamos abstraído logo no inicio, peço então desculpas, vocês também me pedem). Detesto noticias tristes. Estou em duvida em como informo para ele que ele iria perder ela, mas que quem iria morrer era ele? O que vocês falariam? - pergunta retórica, não os posso ouvir, mas agradeço quem teria uma resposta.
Preciso pensar em como lhe dizer, talvez um: "Oi Antônio, tudo bem? Sua mulher tá apaixonada por outro cara tá?" Não, direto demais. "Eai mermão blz, tu tá de boa com a comadre?" Não, não costumo ter esse linguajar, e além do mais, não gosto do apelido "comadre" para adjetivar uma mulher, a não ser que essa mulher seja mesmo a comadre de alguém na roda do diálogo.
Espera, Antônio é a pessoa mais sagaz que conheço, e a unica pessoa que ele não consegue decifrar é sua esposa. Se vocês estiverem seguindo meu raciocínio, saberão qual meu plano. Preciso fazer uma visita a meu velho amigo.
                                                                                ...
                                    Pausa para esclarecimentos do autor que entrará em cena
                                                                                ...
Não gosto de me envolver em minhas histórias, prefiro ficar sentado escrevendo e fazer a trama toda, é mais visceral, logo porque tem pessoas que acham que tudo que um escritor publica é autobiográfico. zzz Possivelmente vai surgir pensamentos que eu tenho haver nisso tudo, ou que isso tem resquícios de realidade. Ou que usei um nome querendo usar outro, ou que eu quero deixar algum recado para alguém. Eu me colocando aqui só vai deixar isso tudo mais aparente. Não, não tem, não é! O que que eu tenho que me meter nessa história, estória ou sei lá o quê?
Leitores que buscam achar na coincidência uma oportunidade de gritar: "SABIA!" com o dedo a riste apontando para o texto eu digo: "Não, você não sabia!". A única pessoa que deve saber alguma coisa aqui é o Antônio, ele sim merece saber de algo. Tô cansado já, devo estar apaixo...do-doente, devo estar doente.
Aí do nada o autor entra no fim do desenvolvimento para quê? Para causar uma briga de casal? Estou metendo a colher antecipadamente! E onde está ele que aperto a campainha a horas e ele não atende?
                                                                     
 - Dim, dom - décima oitava vez, poderia voltar se não morasse tão longe.
 - Dim, dom - décima nona vez, ele deve estar dormindo na tentar fugir.
 - Dim, dom - vigésima vez, será se não tem ninguém em casa? Viro a maçaneta e percebo que está aberta, eu como amigo (e criador do personagem) entro.
                                                                                ...
                                Ultima pausa, desfecho da história, estória ou sei lá o quê
                                                                                ...
Nem se vocês todos fossem Antônios como o Antônio teria imaginado a cena que eu vejo agora na minha frente. Eu me enganei o tempo todo - nós nos enganamos juntos. Na busca em achar apenas um morto, os dois estão agora em minha frente deitados no chão, afogados no vermelho-cor-de-sangue. Sobre ela está uma arma. Não sou perito, mas creio que ela atirou nele. Não sou psicologo, mas é bem provável que ela preferia acabar com a vida dos dois ao ter que deixar ele para ficar com qualquer outro. Como eu sou escritor, o que pude fazer se não pegar uma caneta, e um papel e mostrar pra vocês os fatos? Espero a polícia chegar, serei testemunha de mais um crime passional.
(...)
Algumas ponderações fundamentais para se compreender o motivo da morte, que por suposição, achei que seria a mais plausível.
(...)
Antônio foi deixar no sexto dia, dia do trágico acidente, Diana em seu local de trabalho. Despede-se de sua esposa e segue o rumo de sua casa, mas aconteceu que o destino o cruzou com o médico causador da confusão inicial. Não precisou ser dito nada, nunca precisou ser dito nada. O ódio, assim como a paixão vem e a razão evapora para fora da possibilidade de visão.
Já sabia de tudo, naquela manhã seis dias após a entrada dela no maldito emprego. Nada fez até chegar em seus aposentos, ligou para ela imediatamente.
 - Diana, precisamos conversar sério.
 - Está tudo bem Antônio? - indagou ela assustada, engolindo com saliva o desespero.
 - Sim está, só que precisamos conversar, beijos - não falou mais nada que isso - desligou.
 - Tu tu tu tu tu - depois de perceber que ele não estava mais na linha, ela respira triste.
(...)
Algumas ponderações fundamentais para se compreender o motivo do descontrole de seu poder paranormal mediante a Diana, que por suposição, achei que seria a mais plausível.
(...)
Antônio em casa não sabe o que fazer. Olha-se no espelho ensaiando diálogos, se pergunta o motivo disso tudo. Pergunta muitas coisas a si mesmo e cria perguntas que ele vai destinar a ela.
Diana no trabalho chora, chora como nunca lembrou-se chorar em vida. Se pudesse lembrar de suas fazes mais remotas da infantilidade, poderia dizer que só chorou assim quando nasceu. Ela chora porque ela já sabe o que está acontecendo, ela chora porque ela também tem poderes de sentir as coisas. Consegue sair mais cedo do mórbido emprego e acelera em seu carro a uma rua que tem certeza do que pode encontrar lá. Uma arma que pagou a vista para um drogado que precisava não mais que cinquenta reais. Certificou-se de que haveria três munições. Diana chegou em casa e deu-lhe um beijo. Ela não esperava um empurrão e ele não esperava nada do que aconteceria. Ela sacou a arma e deu-lhe um tiro em seu peito logo após de dizer que o amava mais que tudo nesta vida. Antônio caiu morto, Diana aponta a arma para cima e atira, desperdiçando mais uma bala que ela metaforicamente acreditou estar matando o médico. Antes dela colocar o cano da arma contra sua cabeça, certa do que faria, deitou ao lado do homem que ela nunca queria ter traído, segurou em sua fria mão esquerda e com uma lágrima quente que desceu o rosto assustado aperta o gatilho. POW!
Não era cansaço o que Diana sentira nos últimos dias, era a visão da cena que ela tivera desde que viu no segundo dia o médico passar por ela. Não podia evitar porém nada do que aconteceu, porque ele se chamava Antônio, livre por sua mãe de morrer afogado ou queimado, mas não com um tiro a queima roupa de um amor verdadeiro e passional. Teria sido tudo diferente se seu nome fosse Samuel.

Carlos A.

para um antigo amor

Não acreditaria se você tivesse me contado, ou se outra pessoa tivesse me contado, mas eu descobri sozinho e a verdade dos fatos escancarados em minha cara não me permite que eu também não creia em mim. E o que foi dado depois da queda, depois da descensão, depois do abalo sísmico catastrófico?
Todos sabem que palavras de conforto, nada mais são que placebo universal e que devemos desconfiar da idoneidade de tudo que vem antes da conjunção coordenativa adversativa "mas" em qualquer frase.
Não foi me dado porém, respostas plausíveis, gin barato ou analgésico.
Foi me dado a possibilidade de fuga, mesmo que eu não quisesse fugir, além do silêncio ensurdecedor. Ainda consigo sentir a sensação, virando meu corpo depois de ter dito que essa seria sua ultima chance de você fazer tudo diferente. Cada degrau de minha marcha fúnebre que descia lentamente era como uma faca que cravava em meu coração, por você ter se mantido calada, olhando-me de costas a ir embora de verdade. E eu ansiava, em cada degrau e em cada facada ouvir sua voz ou choro de arrependimento, para poder voltar correndo e gritar que te perdoo. Mas ficou o barulho do silêncio da despedida e tantas facas em meu peito no final, já no portão.
Parece que a tristeza tem um peso maior que a felicidade, poderia colocar sem medo na balança todos os anos felizes ao seu lado, ao lado dos últimos dias tenebrosos de nosso relacionamento. A balança não penderia, conclui-se que é proporcional.
Pelo pouco que lembro foi assim, como um soco inesperado no estomago daqueles que sacodem a alma n'um súbito espasmo. Faltou o ar e meus olhos escureceram tão rápido que nem pude pensar em sobreviver. Cai em um chão terroso que instantaneamente envolveu meu corpo pequenos pedregulhos e moldou ali o corpo de um homem morto; mas não cai, entenda esta frase como metáfora em seu máximo grau de pureza e  exagero. Senti fortes dores no flanco de minha testa; nas têmporas. Se minha mãe soubesse de tal dor - já que recorreria a ela se não precisasse falar do motivo causador - recomendaria-me chá de camomila, até imagino sua voz no telefone: "Meu filho, qual o motivo de tal dor? - esperaria a resposta para dar inicio a como deveria proceder na preparação do chá como se ainda não soubesse - pegue um punhado de camomila, coloque em um litro e meio de água fervendo. Espere uns dez minutos e coe, ah, e coloque algumas gotas de limão antes de beber - encerrando a ligação com um "Beijos, te amo". Mas pela idade que tenho, fica um pouco cagonildo demais recorrer a mamãezinha para lidar com meus problemas de homem adulto.
O que ficou de nós dois eu não sei ainda te dizer, mas o que não ficou foi a mágoa. Agradeço pela "inspiração para ganhar dinheiro" parafraseando Cássia Eller, e a mim sou grato por conseguir, enquanto escrevo, te esquecer por mais três ou quatro dias. Até conseguir te prender de vez em um livro e te esquecer pra sempre em uma gaveta.

Carlos A.

sábado, 4 de outubro de 2014

O bobo - Parte I

Ela, naquela sexta-feira chuvosa abrigou-se em minha casa, não havia porque eu negar, ela era estonteantemente linda, com seu metro e sessenta e cinco, cabelos castanhos avermelhados, olhos enigmáticos e lábios que se moviam como duas bailarinas russas em O Lago dos Cisnes, o preto e o branco harmoniosamente dançando em sua boca.
E quando ela bateu em minha porta, ainda hesitei em não atender - devendo três meses de aluguel e conhecendo o senhorio do imóvel muito bem, sei que a chuva não seria problema para o tal - resolvi espiar o olho mágico - não faço ideia se é clichê demais eu colocar aqui "amor a primeira vista", mas há quem goste de clichês, e há quem acredite em amor a primeira vista.
Parada ali estava ela, molhada, impaciente e já quase desistindo quando vi ela virar seu corpo minusculo retraído do frio, abraçando-se na tentativa de esquentar-se em vão. Abri a porta.
Quando um homem se apaixona, ele fica bobo, não importa quantas faculdades tenha, quantos diplomas expostos na parede, quanta experiência de vida, se ele estiver apaixonado, ele estará certamente bobo. E eu? Que já sou bobo de nascença no auge de meus vinte e nove anos. As próximas palavras que diria seria a prova clara de minha tese.
 - Foi você quem bateu agora?
Quem diabos pergunta isto a unica pessoa próxima a sua porta em dia de tempestade diluviana? O que eu esperaria como resposta? Que não? Você leitor, deve estar pensando agora: "Ah, mas poderia ter sido uma pergunta retórica". Eu como autor da frase que vos escreve afirmo categoricamente que não foi uma retórica, o que torna o meu estado ainda mais estupido.
- Sim (...) - pronto, a partir de agora minha atenção foi-se a sua boca, não pelo que ela falava, no momento não me importava tal oratória, mas pelo movimento de seus lábios, dançando. Seus olhos que ora saltava para cima enquanto sorria e gesticulava seus braços, fazendo dos dedos rotas invisíveis, ora o escorria vagarosamente para baixo, como se tivesse triste por algo, algo que precisaria prestar atenção fora estes sinos malditos que tocam em meus ouvidos - (...) aqui?
 - Desculpa, eu não entendi a ultima coisa que você falou, poderia repetir?
 - Perguntei se poderia ficar aqui até a chuva passar.
Pronto, agora sei o motivo de seus olhos tristes em algum momento de sua falácia, cujo não prestei atenção e poderá me custar caro se caso ela tocar em algum assunto. Não pensei em nada quando saiu a frase súbita que me redimiria da bobagem que perguntei antes.
 - Claro, entre, a casa é sua.
Sinalizei com a palma de mão esquerda a riste mostrando a sala, enquanto a minha mão direita apertava a maçaneta tão forte que já não sentia meus dedos e na minha cabeça estava a frase que não esquecia. Preciso não parecer bobo, repeti inúmeras vezes enquanto ela passava por mim sorrindo.
Seu cheiro chegou até mim desrespeitosamente, sugerindo-me pensamentos que seria inapropriado transcrever aqui, então, permito que imaginem o que um homem solteiro, morando sozinho no auge dos seus vinte e nove anos, que acabara de abrir a porta para uma estonteante desconhecida, que a pouco pedira abrigo para livrar-se da chuva, enquanto passa por ele molhada e exalando seu perfume e sorrindo timidamente. Posso afirmar que, mesmo não sabendo o que imaginara, foi bem mais intenso que isto.
Fechei a porta, dispus a tirar seu casaco molhado enquanto lhe oferecia um chá quente. Ponto para o bobo.

Carlos A.                

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Manutenção

Era ela, entre todas elas
a bela das mais belas
fotógrafa de meus atos
defensora dos gatos
rainha de minha vida

sua voz paira sobre o ar
rouca sussurra a me embriagar 
e canta-me para dormir
 e espera eu acordar

declama-me seu amor
fala coisas sem pudor
romancista, ariana
minha soberana

aos poucos me abre
entra onde cabe
chega no fim da tarde
e me invade.

Carlos A.