Carta diária de superação do dia 27 de setembro.
Na falta de vermelho pintei a boca de vinho, maldito vinho que me fez estar escrevendo-te esta carta, desconsidere então eventuais erros grotescos de ortografia ou de situações fantasiosas, eu realmente não estou bem! - afinal de contas escrever e lembrar de ti depois de tantos desencontros e incompatibilidades de pensamentos é a maior prova disso - a verdade é que o vinho que pintei meus lábios, que por falta de seus beijos já se tomaram virgens por si só, e o vinho ingerido que era tão intenso quanto a cor que carregava em minha boca, fez-me lembrar de nosso primeiro encontro a uma década e meia atrás, então resolvi trajar aquele vestido preto com pedras pratas, que comprei mas que nunca tive a oportunidade de usar porque você achava curto demais, e sinto lhe informar, eu estava ma-ra-vi-lho-sa, inclusive me caiu bem melhor agora do que no dia que comprei, lembra daquele salto que me fazia ficar mais alta e que você também me proibia de calçar? Então, usei-o, e pela primeira vez, mesmo não estando aqui, me senti realmente mais alta que você, por fim coloquei aqueles velhos brincos que você me deu no nosso primeiro ano de namoro e que eu prometi que nunca mais iria usar, pois bem, detesto descumprir promessas!
Depois que me trajei com tudo aquilo que ti lembrava, resolvi transpassar a barreira da minha insegurança de sair sozinha, lembra? Pois é! Confesso que no início foi difícil, não tinha pensado ainda para onde iria, nem se havia dinheiro o bastante, mas consegui, o trânsito estava horrível.
No rádio começou a tocar "Atrás da porta" do Chico, maldita musica! Desejei capotar o carro ou cometer haraquiri, mas ao invés disso, borrei meus olhos, os mesmos tal quais viram os teus com um olhar como de quem diz adeus, como dizia a canção - merda, havia passado horas fazendo a maquiagem, reaprendi a passar sombra, lápis, delineador, corretivo, base e todas essas coisas que você sempre achou supérfluo, mas, que se me visse no futuro/hoje, teria a certeza de que não. Resolvi parar o carro naquele bar que eu sempre detestei quando você me levava aos domingos, e reconheço, ele realmente tem uma beleza arquitetônica barroca como você sempre afirmava, e, que pelo meu enfado preconceituoso de detestar bares, não me fez perceber, e agora entendo também o real motivo pelo qual você sempre abominava meus vestidos curtos. Passei horas em êxtase ouvindo aquelas notas do piano enquanto olhava para o meu reflexo na taça de vinho, mais vinho, mais vinho, mas venho te dizer por este manuscrito, que já me arrependo de ter o começado, pois descumpro mais uma de minhas promessas, que é não lembrar mais de ti, e eu detesto descumprir promessas!
Resolvi retornar a minha casa, e antes de sair, aos assobios e aos pedidos de me levarem embora pelos machos embriagados, que inquietam-se ao sentir o cheiro que exala do corpo de uma fêmea que suplica pelo cio, vi você espelhado em fragmentos de todos os que ali estavam, não sei se ti convém, mas recusei todos eles inclusive ojeriza, decidi vir sozinha e me arrependo, enquanto vinha, até pensei em revir, pegar pelo braço o primeiro dos tais colocar em meu carro e fazê-lo de refém sexual, mas não, chega de fantasmas em minha vida.
Apesar de saber que você não vai chegar até esse ponto do meu pequeno alfarrábio confidencial, quero ainda assim continuar escrevendo minha primeira experiência sem ti, e te mostrar que ainda posso ser bem feliz, queria que estivesse aqui agora, e visse o quão eu estou refeita, mas não hoje! Esqueci de tirar aquela sua foto do porta retrato, que continua intacto e virado para a sala de jantar em frente a mesa onde estou, seu olhar não me perdoa, mesmo eu tenho a pureza dos anjos que nunca fizeram nada errôneo, sua face em formato quadrado que torna seu queixo mais largo, sua barba por fazer por falta de tempo, seus cílios volumosos e que fazem uma curvatura quase que perfeita, seu cabelo grisalho encanecido pela idade que desce até sua testa e quase cobre seu sinal, sua pupila dilatada pelo flash que ativou milésimo de segundo antes de registrar a foto que me amedronta as refeições, o que me ocasionou uma perda considerável de peso, mas prometi que não vou mais parar de comer, e eu detesto descumprir minhas promessas!
O acumulo de sentimentos que guardo está me sufocando, não sei explicar ao certo, e eu não queria sentir esse engasgo na garganta, essa vontade louca de começar uma vida nova, mas não posso, semana que vem é seu aniversário, 2 de outubro, e ainda é tudo tão recente, estou aprendendo a andar com novas pernas, nem sei se saberei passar o seu dia natalício sem você, acho que comprarei um gato, já que a sua alergia não me impede mais, preciso de companhia, as vezes o silêncio me deixa alucinada, não vejo a hora das minhas férias acabar.
Já sinto a minha lucidez e acho que estou com sono, o galo já me avisou que está prestes a amanhecer - ainda não me acostumei com a rotina de dormir a noite, você conseguiu plantar em mim a filosofia de que a noite não foi feita para dormir - e essa é o fim de mais uma carta que te escrevo, mas que não te remeto, e rasgo e entrego para o fogo fazer bom uso, não por medo de não receber respostas, ou pela ideia ilusória que tens outro alguém que por curiosidade, venha a ler antes de ti, mas é que eu prometi para mim mesma que te enviar uma carta, seria a ultima coisa que faria em minha vida, e eu detesto descumprir minhas promessas!
PS: Te Amo
Carlos Antônio (Júnior)
Nenhum comentário:
Postar um comentário