quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Fome de sede

num chove no sertão
já perdemo os gado
tamo perdeno as plantação
e os cachorro só os osso
nos olham com os ôlho
de remorso

a asa branca bateu asa
o carcará voou sem cantá
ficou a tamanha desgraça
daquilo que eu estou a falá

minha súplica num é auvida
e é bem certo que chuva num vem
a esperança todo dia um tiquim morre
abrino então a firida
dessa vida de trilho de trem

me de atenção um minuto,
peço a deus onde ele tivé
me mande ao meno uma gôta
só um poquim, uma bicota
pra mode eu fazê o café

eu ate tenho bastante fé
apesá de num parecê
criei minhas duas fia
as mocinha, cê pode vê
e os três cabôco tão na roça
de juelho no chão
pra mode chuvê

se achegue, veja aqui minha mão
olhe os calo da inxada, moço
olhe meu buxo, minhas custela
e o próximo almoço?
num tem nem previsão

e esse sol que parece um agôro
não tem pena de ninguem não
si é capais de rachá o côro
imagina o que faz no chão!

meu discanso é a rede
depois de um dia de cão
peço a deus que me mate a sede
e que caia a bendita chuva
nesse esquecido sertão.

Carlos A.

Prolixidades

Após ler inúmeros pensamentos existenciais chego a conclusão que é perturbador a condição posta de ser. Nego qualquer desejo involuntário, que irrefutavelmente possa a vir abalar meu novo estado de não-ser; para permanecer assim em minha nova posição posta por mim mesmo.

Seria tudo mais simples se não houvesse a necessidade de ter que ser, estimulado desde a infância para com os pupilos em formação de vida. A cobrança em estar sendo o que é, mesmo quando sem a mínima vontade, tira-me o sono. A recusa em ser trás consigo tantos outros levantamentos que acarretam assim em mais pensamentos, e que me causa ainda mais insônia.

Vivendo no modo Anti-ser: não se há identidade (sem nome, sem sexo, sem religião, e etc);
dispensa-se o tempo (acarretando na não necessidade de se ter uma idade, ou de viver baseado em horas/dias/meses/anos); a insignificância do espaço (logo, não se mora, não se veio ou vai para lugar algum).
Não ser está diretamente ligado a não ter - este ultimo nem sempre voltado à algo material. Não ser é não pensar segundo Descartes, o que coloca por terra a meu estado condicionado, pois enquanto decorro tais objeções estou pensando, e logo, sou/existo.

As contradições logo aparecem e a impossibilidade de não-ser vem com elas. Poderia o fato de ser ser a praga rogada em nossos antepassados comedores do fruto proibido? Onde após a descoberta da divindade maior sobre o acontecimento oriundo da desobediência acarretou na sabedoria; e com ela automaticamente na premência inegável de "tornar-se"? Seria o paraíso de todas as religiões simplesmente o fato de alcançar este estado de espirito¹? Será se essa busca efêmera não seria uma utopia surreal? Enquanto faço essas indagações pertinentes, já não demonstro visivelmente que fugi da minha exigência clara exposta na premissa deste raciocínio? Ao fim, concluo que tenho que continuar sendo. Afastemos então para o lado a pedra do "To be or not to be, that is the question" e contentemos com a resposta obvia.

1. De não ser.

Carlos A.
Transforma
toda verme em ascensão
em inspiração
toda propensão à depressão
no antônimo da solidão
todo pensamento solto
em poesia
todo sussurro revolto
em acalanto para o dia.

Carlos A.