Voltei, a fila estava gigantesca e eu detesto esperar em filas, como detesto também ter que explicar o que estava fazendo. Acredito piamente que faço parte de uma nova espécie de seres humanos com psicologia diferentes dos demais, como uma doença congênita não visível e com diagnóstico impossível, algo neurológico. Ficou latente esta neurose até ocorrer um fato que desencadeou toda a bola de neve que agora vou compartilhar com todos vocês.
Tinha eu quatro ou cinco anos, não lembro a idade, mas do fato lembro bem. Estudava em uma escola que se chamava Centrinho - o que vendo hoje, pareceria ridículo por estar localizado no subúrbio desta pequena cidade - para educação infantil. A parte de cima do fardamento obrigatório era uma regata com um tecido azul envolvendo a parte do ombro e o resto era um amarelo bem forte (ou o inverso, por não ter foto da época, minha memória fotográfica pode estar querendo me sabotar). A parte inferior era um calção de cor unicamente azul com a logo da frente de uma locomotiva sorridente em ambos.
Quando tento puxar na memoria e reviver a cena para ser o mais fiel aos detalhes possíveis, não consigo lembrar de algumas coisas, o que é natural, tentarei então fugir das armadilhas tendenciosas da fantasia com o intuito de se fazer real. Concluo que a sala de aula cujo estava era exatamente a primeira que se via para quem chega, do lado direito; tendo que atravessar antes um pequeno pátio de chão cimentado e um portão preto com ferrugens. Em frente a sala que nos reuníamos para fazer uso de cantigas didáticas infantis - puxando o tapete da consciência para usar algo favorável aqui, afirmo que não fazíamos nada além de cantar, pintar e brincar com joguinhos sociais - do lado esquerdo, localizava-se a sala da diretora do Centrinho do ano de 1998 - 1999.
Certa vez, esta senhora diretora de nome Maria - a princípio pode parecer um nome comum, destes que escritores usam para proteger a imagem de alguém físico real, mas este não tem o principio de proteger ninguém com codinomes, de antemão, pelo contrário. Maria, e se ainda soubesse o sobrenome explanava aqui nesta espécie de desabafo catártico, mesmo que ainda ache louvável me prender ao nome depois de anos. Entra na sala interrompendo uma das canções - corte lacaniano - falando algo alto e em bom som, que não lembro ao certo se havia importância, para a turma de criança que éramos todos; mas lembro bem que a interrompi gritando "Olha a chuva!?" - corte lacaniano II. O que eu fiz nada mais foi que reproduzir um jogo que havia aprendido na semana com a professora; onde qualquer um gritaria a frase exclamada acima, com o resultado de todos gritarem em resposta "ÊÊÊH" levando à cabeça qualquer objeto afim de proteger-se da suposta chuva. Foi o que eu fiz, e foi o que fizerem. Em resposta à resposta, Maria voltou-se para mim e me carregou pela orelha direita até a sala que todos já devem saber onde fica. Em resposta a todas as respostas, todos riram de mim.
Poderia eu ter simplesmente superado, reproduzindo o que todos me aconselham quando falo do acontecido, mas nosso cérebro tende a guardar involuntariamente somente o que nos afeta emocionalmente ou o que recorremos a ele com mais frequência. Por mais vezes que tente não recorrer ou afirmar que não me marcou emocionalmente, este fato é incontornável. Queria colocar aqui o que foi me dito quando fui levado para a sala que todos tinham medo, entretanto não consigo lembrar; poderia eu inventar um possível diálogo emocionante mas isto não tem nenhuma tendência a ser manipulável ou ficcional.
A liberdade em falar em público e de me posicionar socialmente, induzido na primeira infância através de jogos de interatividade com o meio me foi castrado com a postura arbitrária de Maria. Maria, diretora que retalhou minha moral e me agrediu sem que houvesse nenhuma forma de defesa. Maria, diretora que me acovardou e me ensinou da pior maneira a "colocar o rabo entre as pernas" quando perante aos meus superiores. Maria, uma mulher que duvido que mereça viver e amar como outra qualquer do planeta. Maria, que tem agora por este documento/escarro a minha permissão de abrir uma ação judicial contra mim pelo que lhe achar conveniente. Maria, que quando vi certa vez despretensiosamente aquele rosto hoje enrugado pelo tempo cruel não me contive em indagar o motivo do fato, se avergonhou e culpou sua irmã quase idêntica Fátima. Maria, diretora da escola infantil Centrinho no único ano que estudei, entre 1998/1999 de Sobral, CE.
Carlos A.
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