Ah, quanta saudade sinto de mim. Ainda lembro de quão pequeno eu fora ao vir ao mundo, sem reminiscências de atos louváveis, sem grandes triunfos dignos de reconhecimento, apenas ocupando um espaço que viria a ser meu, e sem nenhuma pretensão aparente. As primeiras palavras pronunciadas, que a mim foram de uma descoberta pessoal única e nada mais que engraçadas as junções de sílabas aleatórias para os demais, que riram de minha ignorância de pupilo. Lembro também de meus primeiros passos, descoordenados de minha perna curta, descobrindo que era igual a todos e que podia andar também. Recordo da primeira vez que evacuei sozinho no troninho, quem diria que depois de anos iria eu estudar sobre as complexidades do ato, descritas por S. Freud muitos anos antes de morrer.
De meu primeiro dente que nasceu, e que caiu, e dos tantos outros que descansam no telhado da antiga casa que morei, jogados enquanto citava uma cantiga, antiga superstição que acreditava.
Ah minha primeira crença, já acreditei e já desacreditei em tantas coisas que já nem sei para onde vou agora depois de morto, a verdade é que nem enquanto vivo sabia, vivia me perdendo e sempre no muro alto e fino da indecisão, quem dirá agora neste texto póstumo. Não sei se irei para o paraíso - por um dia ter acreditado em Deus, não sei se reencarnarei - por um dia ter cantado um mantra para Shiva, não sei se para o Samsara por achar o budismo uma religião iluminada. A verdade é que nunca soube de muitas coisas, quanto mais aprendia e me aprofundava sobre algo, descobria que tinha tantos outros algos, e coisas que nunca ouvi falar, palavras que desconhecia, histórias que nunca me disseram, contas que não soube responder, parecia tudo uma espécie de cartola de mágico, onde cada vez que metia a mão, retirava de dentro algo impossível, inacreditável. Nunca achei que esse dia fosse chegar, e chegando como chegou, acho que não deve demorar esse sofrimento pela minha partida, enquanto meu coração bombiava sangue, meu cérebro pensava e coordenava meu corpo, e meu nariz inalava ar, tive a honra de estar rodeado sempre de pessoas boas e especiais. Não vou citar aqui, pois esquecerei de alguém, e depois de morto é muito difícil voltar atrás, apagar um nome ou acrescentar outro, então serei imparcial!
Agradeço essa estadia auspiciosa na terra, a família que me acomodou e a família que formei, minha prole.
Levo para o pó a lembrança de tudo que fizeram por mim, nesse corpo que a terra há de decompor há de estar todos os abraços, na alma guardarei os conselhos e no meu espírito eterno guardo os nomes que fez parte da minha vida.
Na lápide que me acomodará escreveria sem hesitar, "Tem dias que nem muitos dias, curam alguns dias".
C.A.
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