domingo, 31 de agosto de 2014

Prólogo Póstumo

Ah, quanta saudade sinto de mim. Ainda lembro de quão pequeno eu fora ao vir ao mundo, sem reminiscências de atos louváveis, sem grandes triunfos dignos de reconhecimento, apenas ocupando um espaço que viria a ser meu, e sem nenhuma pretensão aparente. As primeiras palavras pronunciadas, que a mim foram de uma descoberta pessoal única e nada mais que engraçadas as junções de sílabas aleatórias para os demais, que riram de minha ignorância de pupilo. Lembro também de meus primeiros passos, descoordenados de minha perna curta, descobrindo que era igual a todos e que podia andar também. Recordo da primeira vez que evacuei sozinho no troninho, quem diria que depois de anos iria eu estudar sobre as complexidades do ato, descritas por S. Freud muitos anos antes de morrer.
De meu primeiro dente que nasceu, e que caiu, e dos tantos outros que descansam no telhado da antiga casa que morei, jogados enquanto citava uma cantiga, antiga superstição que acreditava.
Ah minha primeira crença, já acreditei e já desacreditei em tantas coisas que já nem sei para onde vou agora depois de morto, a verdade é que nem enquanto vivo sabia, vivia me perdendo e sempre no muro alto e fino da indecisão, quem dirá agora neste texto póstumo. Não sei se irei para o paraíso - por um dia ter acreditado em Deus, não sei se reencarnarei - por um dia ter cantado um mantra para Shiva, não sei se para o Samsara por achar o budismo uma religião iluminada. A verdade é que nunca soube de muitas coisas, quanto mais aprendia e me aprofundava sobre algo, descobria que tinha tantos outros algos, e coisas que nunca ouvi falar, palavras que desconhecia, histórias que nunca me disseram, contas que não soube responder, parecia tudo uma espécie de cartola de mágico, onde cada vez que metia a mão, retirava de dentro algo impossível, inacreditável. Nunca achei que esse dia fosse chegar, e chegando como chegou, acho que não deve demorar esse sofrimento pela minha partida, enquanto meu coração bombiava sangue, meu cérebro pensava e coordenava meu corpo, e meu nariz inalava ar, tive a honra de estar rodeado sempre de pessoas boas e especiais. Não vou citar aqui, pois esquecerei de alguém, e depois de morto é muito difícil voltar atrás, apagar um nome ou acrescentar outro, então serei imparcial!
Agradeço essa estadia auspiciosa na terra, a família que me acomodou e a família que formei, minha prole.
Levo para o pó a lembrança de tudo que fizeram por mim, nesse corpo que a terra há de decompor há de estar todos os abraços, na alma guardarei os conselhos e no meu espírito eterno guardo os nomes que fez parte da minha vida.
Na lápide que me acomodará escreveria sem hesitar, "Tem dias que nem muitos dias, curam alguns dias".

C.A.


sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Fins de semana

Preciso de um chá, faz muito tempo que não tomo. Hoje quando eu acordei veio o cheiro do chá da noite, que minha vó Lúcia fazia antes de dormir quando passava os fins de semana em sua casa. Ela quem me ensinou a degustar. No começo colocava três colheres de açúcar, não tinha nada pior que aquilo. Quando algo cabe açúcar para melhorar seu sabor, costumo colocar sempre três bem cheias, quando não se cabe, coloco maionese.
Aos poucos as colheres foram diminuindo, acabei me vendo tomando chá puro, igual minha vó. Acabei gostando e aprendendo a carregar o hábito de me sentar à sala de estar e esperar, antes de dormir, o bendito chá. Quão era bom a companhia de minha vó, suas histórias, seus conselhos. Quando os fins de semana acabavam, e eu tinha que voltar a minha casa, não tinha nada que eu tomasse para esquentar-me do frio, conversas na sala de estar, tampouco alguém para me atualizar da novela que nunca ouvi, e me fazer confundi os personagens. Passei a gostar de finais de semana também, de rádio, de xarope para prevenir-me da gripe...
Quando minha vó Lúcia se foi, nunca mais tomei chá, nunca mais liguei o rádio para ouvir as novelas, nunca mais segui conselhos. E é tão engraçado como certos aromas marcam tanto, e o poder que eles tem de nos teletransportar para o passado. Hoje quando acordei, além de sentir o cheiro do chá, ouvi a minha vó me dando um conselho para tomar xarope. Acho que vou gripar.

C.A.

Promessa pra santo

Certa vez um garoto apaixonado, pediu para o santo mais improvável para que o ajudasse no relacionamento que possivelmente viria a ter com a linda garota, São Longuinho. Não acreditou que seria concedido a ele tal pedido, pela improbabilidade e pela descrença que o jovem rapaz depositara em seu apelo. Mas estranhamente, Seu Longuinho o ajudara. O relacionamento foi pautado na ideia de que uma divindade religiosa o protegeria. Quantos pedidos depois ele fez? Passou a acreditar piamente no santo, todo pedido era-lhe concedido, e quanto maior fosse, mais pulos ele prometia em troca. Foram tantas súplicas atendidas e tantas promessas de pulos que cresciam exponencialmente, que o moleque já estava em débito com o santo, tanto que para pagar-lhe a dívida, deveria pular uns dois anos e meio ininterruptamente. O relacionamento, fruto do primeiro pedido, acabou de maneira um tanto trágica, logo achou que fora praga do São Longuinho! Agarrou-se rapidamente a outro santo, prometendo que se este negociasse com o outro a diminuir alguns pulos, ele prometia não fazer mais promessas a santo nenhum!

C.A.

sábado, 23 de agosto de 2014

Mais uma crônica de amor

Amar é, sem sombra de interpretações mal esclarecidas, pessoal. Livre de esteriótipos ou situações limítrofes, ama-se ou não ama-se o que tiver no meio termo disto é paixão ou fixação. Não existe o significado certo de amor, não há uma base, não tem o conceito/encaixe. Tudo que já foi escrito sobre ele ou ainda será, é uma mera concepção particular - este texto inclusive é uma das tantas várias vastas ideias, prólogos, monólogos que existem no mundo sobre este sentimento, e está longe de se fazer o mais correto de todos.
A tradução no dicionário, entretanto, não é baseado no real significado da palavra, mas na vaga concepção do que uma pessoa crê que representa, portanto, nunca acredite completamente no dicionário. Uns amam como a tradução, outros amam além do que se é descrito tal sentimento, de um modo inexplicável que nenhuma palavra já criada seria capaz de relatar. Amor não se explica, se sente. É perca de tempo explicar para um ateu ou um cético a existência de deus por exemplo, a mesma dificuldade que tenho de tentar expor minha visão.
Não é verdade o que falam sobre amor, amor não machuca, não destrói, não faz o ser amado chorar, não chacoalha a cabeça do outro com ideias perversas, nem faz dele coadjuvante no ato principal.
As pessoas buscam incessantemente um sentido para a vida, um estalo, uma oportunidade de gritar "EUREKA" e sair correndo pelado (como fez Arquimedes), mas não é tão simples, obvio ou lógico como as ciências exatas, requer um estado de espírito Buda. A pior parte disto tudo é quando acredita-se que encontrou o amor verdadeiro, a pessoa que você tem a plena certeza que compartilhará toda a sua significância, e esta mesma, os decepciona. O que fazer?
A) Gritar "Eureka" pelado achando que encontrou o significado de amor, e que ele não existe?
B) Cair na depressão, desenvolve arritmia cardíaca e falta de ar, raspar a cabeça e não pensar em nada além de suicídio?
C) Insistir na possibilidade de que tudo não passou de um mal entendido seu. Usando sua forte dedução faz a sua conversação e a do outro afim de poupa-lo do que você acredita que ele quer lhe dizer, mas que por falta de coragem não diz e que você por não querer ouvir da boca dele, acaba dizendo para si mesmo. Vê que pela reação não esperada você possivelmente tem razão, mas mesmo assim não acredita no que você mesmo disse. Aproveita a dedução forte que tem e cria a desculpa e a reconciliação do outro, mesmo sabendo que isso possa não ser o que ele quer exatamente?
Observações da escolha:
Se você escolheu a letra A, logo você não tem exatamente nada em sua cabeça. Apesar de possivelmente estar correto, o que as pessoas vão fazer é apedrejá-lo pela sua descoberta. O mundo apesar de não parecer, ainda acredita no amor.
Já você que escolheu a letra B, o que eu posso lhe dizer é que existe vida após o amor. Basta seguir firme, você ainda dará muitas risadas da situação, enquanto não, ainda vai piorar bastante. Este pensamento ainda vai lhe acompanhar por um tempo. A arritmia te dará dores desconfortabilíssimas e a falta de ar não te deixará dormir. (Não querendo ser pessimista, mas este texto não tem fins de auto ajuda)
E se você escolheu a letra C, então pensamos iguais, pegue um remo entre no meu barco e vamos navegar. Mas, fazer monólogo com as possíveis falas do outro não é tão justo com você, creio que isso deve-se a baixa auto estima. Você não é tão dedutivo assim! Uma coisa que aprendi da pior maneira é que "7+5 é igual a 12, mas 3+9 também e existem muitas outras maneiras obtendo 12 na casa resposta, por isso, não existe apenas um modo de se resolver uma situação" ou no caso, não existe apenas uma maneira como as coisas poderiam ter ocorrido, a infinidade está ai e Sherlock Holmes é ficção! Você não tem exatamente nada em sua cabeça, e ainda vai piorar bastante.
Por fim, se eu pudesse dar uma dica sobre como agir, um conselho grátis baseado na minha experiencia errante seria, não percamos mais tempo tentando descobrir o que é amor, se está sendo amado, se é só paixão... Porque enquanto pensamos nisso, enquanto escrevemos textos e mais textos sobre amor, o amor passa. O amor está em tudo, não devemos o personificar em uma pessoa. Devemos sim aproveitar o amor de tudo, porque tudo passa e quando nos damos conta, não aproveitamos exatamente nada, por achar que o amor é somente a necessidade de se ter alguém.

C.A.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Irene chegou no céu sem fazer alarde
acreditou até que já ia tarde
caminhou até a portaria
avistou São Pedro adornado
deu um abraço apertado
em quem ela queria.

C.A.

(Baseado na poesia de "Irene no Céu - Manuel Bandeira")