Lá ia eu caminhando pé-ante-pé com toda minha atenção na sacola que carregava com sete ovos da mercearia. Como pode ser tão frágeis estes que somam mais que a idade que tenho? - me perguntava. Estava ciente que se quebrasse um deles, mesmo que sem a mínima intenção, sofreria retalhamento ao chegar em casa. Sete pessoas para sete ovos. A falta de um deles poderia me custar o almoço. E eu andava, com toda a calma do mundo. Minha ingenuidade de filho e irmão mais novo me permitia viajar, e eu viajava em mim. Rezava para que nenhum dos sete chocassem ali na sacola e no meio do caminho. "Meu Deus, olha para mim, protege meus passos e nosso almoço. Gosto de pintinhos, mas gosto mais de não sentir fome. Amem!".
Quando me concentrava além do normal no peso que tinha em minhas mãos, e meus passos descompassavam e eu pisava em falso; podia ver e ouvir - além da guilhotina, forca e bigorna sobre minha cabeça - os ovos se colidirem. O barulho do choque das cascas mostrava a mim o quanto era delicado o conteúdo e eu sentia medo. Medo de não comer, medo de não concluir corretamente a primeira função árdua me concebida, medo de não ter dado o máximo de mim. Pensei em agarrá-los contra o peito, mas achei arriscado demais e poderia sujar-me todo caso quebrassem. Afinal de contas, a vida é meio assim, uma fina casca de ovo, onde somos incumbidos de não quebrá-lo.
Cheguei em casa vitorioso, peito inflado e cantarolando mentalmente errada a unica música que sabia em inglês "We are the champions". Levei rapidamente para minha mãe que já esperava na cozinha com o propósito de me livrar do fardo. Esperei os agradecimentos, congratulações e a pompa de meu primeiro ato não infantil concluído como o esperado em vão. Mas me esperavam com uma forca, uma guilhotina e uma bigorna suspensa. Me açoitaram, me retalharam, atiraram os ovos sobre meu peito e ninguém almoçou aquele dia. Hoje quando eu penso se algum dia já chorei, lembro deste dia com a conclusão invicta de que nunca chorei mais que neste dia. Porque, afinal de contas, a vida é mesmo assim, você pode fazer o seu impossível, chegar ao seu limite, mas sempre lhe jugarão pelo que você não fez, ou pelo erro que poderia ser irrelevante. Neste dia dos ovos por exemplo, a demora de dez minutos a mais que o cogitado deixaram minha família furiosa, até passou despercebido que eu havia esquecido o troco.
Carlos A.
domingo, 30 de novembro de 2014
sábado, 22 de novembro de 2014
Manias e outras pragas
Eu deveria de fato entrar para o Guinness Book por ser a pessoa mais possuidora de manias e complexidades do planeta. Acho pertinente como influências na fase infantil podem reverberar pelo resto da vida, muitas das que tenho hoje é proveniente destas. Quando muito criança - no inicio de minha alfabetização - meus pais sem muita paciência, pegavam em minha mão para acelerar as atividades; o que acarretou em uma maneira diferente como eu pego em lápis e caneta - deixo um espaço gigantesco entre o indicador e o restante dos dedos. Tenho problemas sérios com promessas. Faço promessas para tudo e estou em débito com todos os santos que conheço - aproveito para prometer aqui que não farei mais promessas, principalmente para o inicio deste ano que vem. Praga em minha cabeça em estar o tempo todo criando diálogos sórdidos e improváveis, diversas vezes faço o papel do acusador e acusado que brigam em busca da razão - como jogar xadrez sozinho. Tenho mania em achar que tenho várias doenças, devo ser hipocondríaco. O fato de eu achar que sofro de hipocondria, já não me faz um hipocondríaco? Paradoxal eu sei... Mania em perguntar o signo das pessoas mesmo estando totalmente por fora de "astronomia" (foi totalmente proposital para demonstrar o meu nível de desconhecimento). De discutir horas sobre filmes que nunca vi e que sem tempo nunca verei. Mania em achar que nunca tenho tempo e praga em escrever o tempo todo. Praga em não conseguir terminar nada que começo. Mania em dizer que vou embora, praga em voltar na primeira esquina. Mania em alegar que sou esquecido para encobrir alguma falha e praga em nunca esquecer de fato nada. Mania em mascar chicletes imaginários quando estou com tédio e praga em sempre morder a lateral da língua quando masco chicletes - mesmo que imaginários. Manias de "duas colheres de açúcar, por favor!" e praga de "Ainda sinto sua falta, e tudo o que escrevo tem você em alguma entrelinha". Mania em não conseguir falar em público e praga maldita em querer ser Drummond.
CarlosDrummond Antônio
Carlos
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
borboleta no estômago pode não ser o que aparenta
Surge ela de uma lagarta exterior que nós permitimos - diversas vezes inconsciente - adentrar em nossas vidas. Ela se aconchega em nossa pele, com calma malemolência, dissimulada. Sem que percebamos coloca seus ovos dentro de uma camada profunda em nossa carne. Não percebemos o que de fato aconteceu até que vejamos centenas de outras lagartas brotar de nosso corpo; desesperados tentamos sem sucesso nos livrarmos, mas são muitas, e parecem surgir em escala aritmética. Caem de nossos ouvidos, eclode de nosso peito, aparecem gradualmente sobre pernas e braços e o que nos resta se não aceitar a condição? Por sorte elas desaparecem, uma a uma, lagarta-por-lagarta. Mas sempre fica, além das marcas na pele, apenas uma - a hospedeira. Esta que irá nos acompanhar ali na alma, nem dentro e nem fora, sobre.
Sendo bem alimentada por paranoias e tristeza ela cresce forte, viril. Não demora para que ela se enclausure em seu casulo para a grande metamorfose. Depois que a lagarta vira borboleta, pronto! Sentimos ela passear internamente, ela se esparrama, faz festa e dita as regras. Com o passar do tempo e o costume adquirido nos adaptamos com sua presença. Batizamo-nos-a com apelidos parecidos com o que damos aos pupilos da família Dê, deprê e ainda deprezinha; uma forma de camuflar o estrago que acontece conosco ou apenas uma maneira de demonstrar que não é grave o que estamos sem capacidade mental para explicar.
Quando ela se dana sentimos na pele o "Efeito Borboleta", bate ela suas asas em nossa cabeça e o coração entra em cataclismo, inverso idem. Quantas vezes uma borboleta bate as asas por minuto? Nossa sorte é que não é um beija-flor, já imaginou a teoria do caos "Efeito Beija-flor"?
Ela é grande, sinuosa, com negras asas. A um míope severo, imaginaria estar vendo uma vespa gigante qualquer, mas somente pessoas com olhos treinados e quem já conviveu com essa espécie não tão rara, reconhece de longe do que se trata.
Carlos A.
Sendo bem alimentada por paranoias e tristeza ela cresce forte, viril. Não demora para que ela se enclausure em seu casulo para a grande metamorfose. Depois que a lagarta vira borboleta, pronto! Sentimos ela passear internamente, ela se esparrama, faz festa e dita as regras. Com o passar do tempo e o costume adquirido nos adaptamos com sua presença. Batizamo-nos-a com apelidos parecidos com o que damos aos pupilos da família Dê, deprê e ainda deprezinha; uma forma de camuflar o estrago que acontece conosco ou apenas uma maneira de demonstrar que não é grave o que estamos sem capacidade mental para explicar.
Quando ela se dana sentimos na pele o "Efeito Borboleta", bate ela suas asas em nossa cabeça e o coração entra em cataclismo, inverso idem. Quantas vezes uma borboleta bate as asas por minuto? Nossa sorte é que não é um beija-flor, já imaginou a teoria do caos "Efeito Beija-flor"?
Ela é grande, sinuosa, com negras asas. A um míope severo, imaginaria estar vendo uma vespa gigante qualquer, mas somente pessoas com olhos treinados e quem já conviveu com essa espécie não tão rara, reconhece de longe do que se trata.
Carlos A.
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