sou nodestino, viuvo, anarfabeto e pai de duas fias
mas garanto que num trato nenhuma com mais primazia
escrevo esta carta por meio de um amigo de vivença longa
que com suas mãos calejadas da enxada e tremulas da idade
já não se alembra como se apega no lápis
e já vai se esqueceno onde se acentua
vai mim descurpano os erros então
queria contá a você minha história sufrida aqui do sertão
apois num vô mim arrudiá
tenho no espinhaço mais de quarenta
e na alma mais buraco que nesse chão o sol pode rachá
aqui as pessoas morre de tanta tormenta
numa delas perdi mia muié, eu mesmo fiz o caxão
os dotôres disserum tuberculose que era
aqui tem pessoa que da vida milagres espera
nessas esperas por chuva perdi meu gado
nessas esperas por gado perdi meu pão
nessas esperas por pão perdi meu deus
nessas esperas por deus perdi minha fé
e a saudadi de mias fias, pois perdi não
os cabas de Sum Paulo chegarum pressas banda
mim disseru que eram por demais formosas
perguntaram se podiam levar pruma tal de holanda
pois erum de comunidades religiosas
e que num iam passá mais fome
acreditei na hora sem pensá duas veiz
pois prometerum mandá carta todo meis
guardei na lembrança o olhar delas indo
bem longe no caminho e se diminuino
fiz o melhor pra elas pensê
a carta do meis chegô, feliz por demais abri
um amigo estudado leu alto pra mim ouvi
"meu pai, estamos passando muito bem aqui,
quero que fiques bem, não estamos sozinhas,
é o que eu tenho a lhe pedir
um grande beijo de suas filhinhas"
Maria Rita, e Morena Clara
quinze e dezesseis cada
passo os dias a chorar
pedindo pros santos,
pro mal eles as livrar
Apois chegou o outro meis e nada de respostas
o terceiro, quarto e o quinto carreguei em mias costas
delas só tenho uma foto e essa saudadi imensa
que sem carestia meu coração atormenta
mas uma ideia tida por um amigo, meus dias salvô
vô escrever para um jornal de Sum Paulo pensô
arrume uma lápis e um papel dipressa
vô tentar trazê suas fias, disse num tom de promessa
pois lápis num tinha, papel me fartava
viajar protra cidade comprar era o que restava
fui de pé num sol de rachá a cuca
prometendo quando elas voltasse não sairiam mais nunca
mesmo que passando a fome do cão
de mias fias não abriria mais mão
chegando em casa chamei meu cumpadi
ele começou a escrevê o que agora se é lido
esse pedido de um pobre coitado, sufrido
que é pisado pela enorme saudadi
se acaso vocês visse mias fias porai
peçam pra elas se lembrarem do que deixaram por aqui
me arrependi por demais de largar delas pro mundo
agora nem durmo a noite por causa desse sentimento imundo
fiquei sabeno de umas pessoas letradas
que tem pessoas marvadas
que acolhem crianças
pra fazer umas danças
em casas de prostituição
pois quero mias fias agora
pois chorar, aguento mais não!
C.A.